Últimas Notícias

[5]

Estudo no The Lancet sobre hidroxicloroquina e cloroquina passa por auditoria


Em um recente e robusto estudo publicado no The Lancet (I) - um dos principais periódicos de medicina do mundo - pesquisadores analisaram os dados clínicos de mais de 96 mil pacientes com COVID-19 confirmada por teste e não encontraram evidência de benefícios terapêuticos com o uso de cloroquina ou de hidroxicloroquina, com ou sem um macrólido (grupo de antibióticos de amplo espectro, incluindo a  azitromicina e a claritromicina). Pelo contrário, eles encontraram uma maior taxa de mortalidade (de até ~30%) e de um aumento substancial de efeitos colaterais, incluindo cardíacos. O estudo corroborou evidências prévias limitadas de ineficácia da hidroxicloroquina para o tratamento da COVID-19 (II), e acabou levando a Organização Mundial de Saúde a suspender a maior parte dos estudos clínicos de grande porte que estavam sendo conduzidos para avaliar esse fármaco (III).

- Continua após o anúncio -


----------

(II) Leitura complementar, incluindo meta-análises e revisões sistemáticas, sobre as evidências científicas acumuladas: Cloroquina e hidroxicloroquina são efetivos contra o novo coronavírus?

(III) Alguns estudos clínicos randomizados controlados de grande porte não foram interrompidos, e continuam avaliando o uso da hidroxicloroquina em pacientes com COVID-19. Um desses estudos é o ORCHID, financiado pelo Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue dos EUA.

> Observação: A cloroquina praticamente já não é mais usada em estudos clínicos visando pacientes com COVID-19, apenas a hidroxicloroquina. Além de mostrar uma eficácia antiviral in vitro três vezes menor contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2), esse fármaco é 40% mais tóxico do que a hidroxicloroquina.
----------

Nesse sentido, um número expressivo de cientistas - a maior parte envolvida nos estudos clínicos com hidroxicloroquina que foram suspensos pela OMS - vieram a público apontar potenciais falhas metodológicas no estudo publicado no The Lancet. Como resposta, o editorial da revista científica publicou hoje uma nota de alerta sobre o estudo: 


"Manifestação de preocupação: Hidroxicloroquina ou cloroquina com ou sem um macrólido para tratamento de COVID-19: uma análise de registro multinacional

Importantes questões científicas foram levantadas sobre dados relatados no artigo de Mandeep Mehra et al. — Hidroxicloroquina ou cloroquina com ou sem um macrólido para tratamento de COVID-19: uma análise de registro multinacional — publicado na The Lancet em 22 de maio de 2020. Embora uma auditoria independente da proveniência e da validade dos dados tenha sido encomendada pelos autores não afiliados ao Surgisphere e esteja em andamento, com os resultados esperados muito em breve, estamos emitindo uma manifestação de preocupação para alertar os leitores para o fato de que sérias questões científicas foram trazidas à nosso atenção. Atualizaremos este aviso assim que tivermos outras informações.

Os editores do The Lancet."

----------
> Nota original: The Lancet
----------

Na carta aberta enviada aos editores do The Lancet criticando o estudo, 120 cientistas e médicos questionaram a autenticidade do massivo conjunto de dados hospitalares usados para a análise. Os críticos pediram que esses dados fossem avaliados de forma independente pela OMS ou outra instituição, ou que fossem feitos públicos. Houve também críticas quanto a certos aspectos metodológicos do estudo e aparente rapidez para a análise e publicação de tantos dados (pouco mais de 5 semanas).

- Continua após o anúncio -



Na questão específica quanto à validade dos dados, os autores da carta aberta questionaram a recusa no paper de identificar qualquer um dos hospitais (foram 671 no total em seis continentes) que contribuíram para os dados dos pacientes. A companhia a qual pertencem os dados é a Surgisphere (citada na nota dos editores do The Lancet), estabelecida em Chicago, EUA. Outra crítica foi o fato das mortes registradas no estudo referentes à Austrália serem incompatíveis com os dados governamentais. Outro grupo levantando questões sobre os dados do Surgisphere foram os pesquisadores do Instituto para Saúde Global. Alguns apontaram também ser estranho um banco de dados tão grande ao longo de mais de 600 hospitais não ser previamente conhecido.

Como indicado pela nota, os autores do estudo observacional no The Lancet irão responder às críticas - como ocorre frequentemente em todo processo de publicação científica. No sábado, o The Lancet publicou duas correções referentes ao estudo - uma delas adereçando os dados associados aos hospitais Australianos -, mas as alterações não mudaram os achados reportados (aparente ineficácia da hidroxicloroquina/cloroquina e aumento expressivo na taxa de mortalidade com o uso desses fármacos para tratar pacientes com COVID-19).


- Continua após o anúncio -



O dono e fundador da Surgisphere, Dr. Sapan S. Desai, e também um dos autores do estudo observacional, vigorosamente defendeu os achados publicados e a autenticidade e validade do banco de dados da companhia. Quanto às discrepâncias apontadas entre dados no estudo e dados governamentais oficiais, Dr. Sapan afirmou que os casos de infecção e mortes associadas à COVID-19 frequentemente sofrem problemas de atraso nas publicações oficiais.


EVIDÊNCIAS PRÉVIAS E EFEITOS COLATERAIS

A carta de crítica envolvendo mais de 100 cientistas e médicos gerou bastante repercussão, especialmente entre os defensores políticos da hidroxicloroquina, que veem nela uma "prova" de que o medicamento é eficaz contra a COVID-19. No entanto, o estudo no The Lancet, em primeiro lugar, nunca foi um estudo conclusivo sobre a questão devido à sua natureza observacional. O estudo foi um alerta e seus autores foram enfáticos em reforçar que estudos clínicos de grande porte eram necessários para mais firmes conclusões.

Em segundo lugar, e mais importante, o estudo está longe de ser uma evidência única que lança dúvidas ou alertas quanto à eficácia da hidroxicloroquina, com ou sem azitromicina. Um número de estudos clínicos, revisões sistemáticas e meta-análises, e estudos observacionais prévios - todos limitados e boa parte publicados como preprint (não revisados por pares) - também não tinham encontrado diferença entre hidroxicloroquina e um placebo, ou tinham encontrado prejuízo terapêutico em comparação com placebos (controle), e alertaram para efeitos colaterais cardíacos reportados com frequência (II). Um número bem menor de estudos clínicos também limitados e publicados como preprint vinham sugerindo benefícios clínicos com o uso de hidroxicloroquina, mas quase todos sofreram graves críticas de cientistas ao redor do mundo - críticas referentes à metodologia e dados clínicos, e bem mais graves do que aquelas voltados para o estudo no The Lancet - e um deles foi retratado pelos próprios autores.

E algo que precisa ficar bem claro: o problema maior da hidroxicloroquina (ou da cloroquina) no tratamento da COVID-19 não são os efeitos colaterais cardíacos do medicamento, e, sim, a falta de comprovação científica de eficácia. Como fortemente sugerem os resultados conflitantes da literatura acadêmica e o maior número de evidências científicas suportando ineficácia do medicamento, é provável que, se existir qualquer benefício clínico da hidroxicloroquina para pacientes hospitalizados com COVID-19 esse será muito limitado ou não-significativo, ou talvez inexista ou mesmo esteja associado, de fato, a prejuízos. Nesse sentido, caso seja administrado um medicamento placebo e potencialmente tóxico para um paciente você estará apenas introduzindo um fator de risco extra para complicações cardíacas, mesmo que esse seja pequeno. Um paciente que iria se recuperar com o tratamento convencional (como a maioria se recupera) pode acabar morrendo por causa do medicamento. Ou um paciente que poderia estar sob uma terapia ou medicamento mais promissor pode acabar morrendo da doença ao tomar um fármaco ineficaz.

- Continua após o anúncio -



Além disso, enquanto muitos focam nos raros efeitos cardíacos mais graves deflagrados pela hidroxicloroquina, dois outros potenciais fatores de risco para o medicamento acabam sendo ignorados e que podem explicar a substancial maior taxa de mortalidade encontrada no estudo do The Lancet (os autores deixam claro que o preocupante aumento na taxa de mortalidade não foi devido em maior importância aos efeitos cardíacos). Cientistas já alertavam para o perigo do uso de hidroxicloroquina em pacientes com COVID-19, especialmente porque não sabemos ainda exatamente como essa doença afeta o corpo. O forte efeito imunossupressor da hidroxicloroquina pode ser benéfico em termos da tempestade de citocina associada à COVID-19 mas também pode ser desastroso caso interfira na capacidade do sistema imune de lutar contra a proliferação viral (IV). 

------------

Outro fator de risco já alertado pela Agência de Drogas e Alimentos dos EUA (FDA) está ligado à genética. A hidroxicloroquina e a cloroquina, e outros aminoquinolinos, possuem associações farmacogenômicas com o gene glicose-6-fosfato dehidrogenase (G6PD). Essa classe de fármacos é suspeita de exercer seus efeitos anti-maláricos ao aumentar o estresse oxidativo via produção de espécies reativas de oxigênio heme-baseadas. A enzima G6PD é responsável pela produção de adenina nicotinamida fosfato dinucleotídeo (NADPH), o qual é requerido na desintoxicação de espécies reativas de oxigênio. No caso de deficiência/inatividade do gene G6PD, o suprimento de NADPH pode não ser suficiente para neutralizar as espécies reativas de oxigênio induzidas pela hidroxicloroquina ou outros fármacos com mecanismos similares de ação.

A deficiência no gene G6PD é comum ao redor do mundo, particularmente em populações Africanas (14% dos homens). Indivíduos com essa deficiência estão em risco para anemia hemolítica, a qual pode ser engatilhada por certas infecções, certos alimentos ou medicações. Essa deficiência é uma desordem ligada ao cromossomo X, e ocorre mais comumente em homens que são hemezigóticos para variantes deletérias  no gene e em mulheres com variantes deletérias homozigóticas. Em outras palavras, indivíduos G6PD-deficientes estão expostos a um maior risco de anemia hemolítica sob o uso de cloroquina ou de hidroxicloroquina, como lembrado por um estudo publicado esta semana como preprint na medRxiv (1).

- Continua após o anúncio -



É preciso que a hidroxicloroquina demonstre substancial benefício clínico para pacientes hospitalizados com COVID-19, para que exista um aceitável balanço positivo de riscos e benefícios na sua recomendação. Porém, as evidências até o momento acumuladas não dão suporte para esse cenário, independentemente se o estudo observacional no The Lancet se provar problemático.

----------
ATUALIZAÇÃO (03/06/20): A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que vai retomar os testes clínicos com a hidroxicloroquina que haviam sido suspensos, mas com base em revisão interna apontando suficiente segurança para o uso do fármaco nos pacientes com COVID-19 nos protocolos dos estudos sendo conduzidos pela organização.
---------- 

(1) Publicação do estudo: medRxiv


Referências adicionais:
Estudo no The Lancet sobre hidroxicloroquina e cloroquina passa por auditoria Estudo no The Lancet sobre hidroxicloroquina e cloroquina passa por auditoria Reviewed by Saber Atualizado on junho 02, 2020 Rating: 5

Sora Templates

Image Link [https://2.bp.blogspot.com/-XZnet68NDWE/VzpxIDzPwtI/AAAAAAAAXH0/SpZV7JIXvM8planS-seiOY55OwQO_tyJQCLcB/s320/globo2preto%2Bfundo%2Bbranco%2Balmost%2B4.png] Author Name [Saber Atualizado] Author Description [Porque o mundo só segue em frente se estiver atualizado!] Twitter Username [JeanRealizes] Facebook Username [saberatualizado] GPlus Username [+jeanjuan] Pinterest Username [You username Here] Instagram Username [jeanoliveirafit]