Medicamento para câncer reduz substancialmente o risco de abuso sexual por pedófilos
- Atualizado no dia 4 de janeiro de 2023 -
O abuso sexual infantil afeta 1 em cada 5 meninas e 1 em cada 10 meninos ao redor do mundo. Essa extrema forma de violência é acompanhada por sérios resultados adversos psicossociais ao longo de toda a vida do indivíduo. Apesar de medidas preventivas serem urgentes, evidências científicas para intervenções eficazes têm sido muito limitadas. Agora, em um estudo publicado no periódico JAMA Psychiatry (Ref.1), pesquisadores encontraram que o medicamento Degarelix - um antagonista do hormônio liberador de gonadotropina - parece ser muito eficaz na redução de risco relativo à propensão de pacientes com transtorno pedofílico cometerem abuso sexual.
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A proporção estimada de ofensores sexuais infantis que são processados é de apenas 1%. E daqueles que são processados, até 95% são ofensores "de primeira viagem" e metade deles possuíam transtorno pedofílico, definido como a atração sexual recorrente por crianças pré-pubescentes e associada a consequências estressantes ou negativas. Estudos prévios já tinham encontrado que nem todos os homens com transtorno pedofílico cometem uma ofensa sexual, mas aqueles que a cometem geralmente reportam uma intensa batalha contra seus desejos sexuais por até 10 anos antes de cometerem um crime sexual. Nesse contexto, existe uma ampla janela de oportunidade para tratar aqueles indivíduos com o transtorno e que queiram tratamento. Um tratamento - farmacológico e/ou psicológico - efetivo poderia prevenir boa parte dos abusos sexuais infantis e recuperar potenciais abusadores de volta ao convívio saudável com a sociedade.
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> A pedofilia está associada com um menor interesse sexual em adultos, mas indivíduos pedofílicos também parecem exibir igual interesse sexual em adultos - porém, importante, exibem menor interesse sexual em adultos do que a população em geral. Ref.2
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Atualmente, as intervenções recomendadas incluem psicoterapia e antidepressantes, assim como medicações de supressão de testosterona para indivíduos de alto risco - a chamada castração química (1). Evidências fortemente sugerem que a supressão ou redução desse hormônio andrógeno na circulação sanguínea - apesar de efeitos colaterais diversos - é eficiente para diminuir o impulso sexual e ajudar a prevenir crimes sexuais diversos, como abuso sexual infantil e estupro. Em vários países, o consentimento informado para procedimentos de castração química é requerido. No entanto, castração química também é usada como sentença compulsória legal para ofensores sexuais infantis em algumas jurisdições nos EUA, Ásia e Europa, mas é proibida em outros países devido a preocupações éticas de coerção e incerteza de eficácia.
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(1) Leitura recomendada: A castração química é a solução contra agressores sexuais?
Considerando o fator 'testosterona' nos atos de violência sexual, têm sido sugerido que agonistas do hormônio liberador de gonadotropina - os quais diminuem os níveis de testosterona no corpo através da dessensibilização de receptores - podem ser uma alternativa terapêutica para reduzir sintomas parafílicos (comportamentos sexuais anormais). Porém, o uso desses agonistas nesse tipo de situação é bastante limitado, por causa da falta de estudos clínicos randomizados para aferir real eficácia; por causa de efeitos metabólicos adversos; e por causa do comum efeito inicial de exacerbação da produção de testosterona, a qual pode estar associada com um aumento da agressividade e de libido que podem requerer medicação anti-androgênica concomitante.
Um desses agonistas é o acetato de degarelix, um medicamento já aprovado pela Administração de Alimento e de Drogas dos EUA (FDA) em 2008 para o tratamento de câncer de próstata avançado. A vantagem do degarelix é que este fármaco reduz a testosterona para níveis de castração dentro de 3 dias sem o efeito colateral da exacerbação inicial de testosterona.
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No novo estudo, para avaliar a eficácia do degarelix, pesquisadores da Universidade de Gothenburg e do Instituto Karolinska, Suécia, recrutaram 52 participantes homens (idade média de 36 anos [18-66 anos]) para receberem de forma randomizada (aleatória) ou injeções de degarelix (2 aplicações subcutâneas de 120 mg) ou de placebo. Comparado com o grupo de controle (placebo), houve uma redução média superior a 25% no risco de comportamento/atitude sexual associado ao transtorno pedofílico ao final de 2 semanas pós-aplicação. Entre os 26 participantes que receberam o medicamento, 20 deles (77%) experienciaram efeitos positivos (melhoram atitude ou comportamento, por exemplo) sobre a sexualidade, e 23 (89%) reportaram efeitos adversos no corpo - mais comumente apenas reações transientes no local de injeção. No grupo recebendo o medicamento, 2 foram hospitalizados devido ao aumento de idealização suicida.
Após 10 semanas de análise dos pacientes - 50 daqueles que persistiram até esse período planejado de estudo - 15 dos 26 participantes (58%) no grupo recebendo degarelix, e apenas 3 dos 26 participantes (12%) no grupo de placebo, negaram atração sexual por crianças.
Em outras palavras, uma única dose (240 mg) de acetato de degarelix reduziu de forma estatisticamente significativa o risco dinâmico de fatores associados a ofensas sexuais - e com mínimos eventos adversos - em homens com transtorno pedofílico que buscaram ajuda profissional, tanto a curto prazo (2 semanas) e, especialmente, a médio prazo (10 semanas). O medicamento também se mostrou eficaz entre participantes de alto risco. Esse rápido efeito terapêutico do degarelix mostrou uma robusta vantagem em relação a outras vias medicamentosas para o mesmo fim, as quais geralmente demoram de 1 a 3 meses para impactarem seus efeitos sobre o comportamento e desejo sexual dos pacientes.
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Apesar de mais estudos serem necessários para corroborar os achados, a maioria dos participantes que receberam o degarelix, ao final do teste clínico, expressaram o desejo de querer continua sob a medicação. Isso sugere uma potencial e mais segura forma efetiva de intervenção visando reduzir os casos de abuso sexual e recuperar pacientes desesperados por uma forma de se livrarem do transtorno.
REFERÊNCIAS
- https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/fullarticle/2764552
- Smid et al. (2023). Pedophilia is associated with lower sexual interest in adults: Meta-analyses and a systematic review with men who had sexually offended against children. Aggression and Violent Behavior, Volume 69, 101813. https://doi.org/10.1016/j.avb.2022.101813
Medicamento para câncer reduz substancialmente o risco de abuso sexual por pedófilos
Reviewed by Saber Atualizado
on
maio 04, 2020
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