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Sem distanciamento social amplo, novo coronavírus provavelmente teria causado 40 milhões de mortes


O mundo encara uma severa e aguda emergência de saúde pública devido à atual pandemia de COVID-19. Como países individuais irão responder nas próximas semanas a essa crise será crítico em influenciar as trajetórias de epidemias nacionais. Nesse sentido, um estudo publicado ontem por pesquisadores do Imperial College London (1) resolveu investigar o que ocorreria se países adotassem medidas mais radicais ou se não adotassem nenhuma medida para frear o avanço do novo coronavírus. Os resultados mostraram números alarmantes para cenários onde o distanciamento social amplo era ignorado.

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Em dezembro de 2019, um novo coronavírus causou um grande surto de doença pulmonar na cidade de Wuhan, a capital da província de Hubei na China, e tem desde então se espalhado globalmente. O vírus eventualmente foi nomeado SARS-CoV-2, devido ao fato do seu genoma (constituído de RNA) ser ~82% idêntico ao coronavírus (SARS-CoV) responsável pelo SARS (síndrome respiratória aguda grave). Ambos os vírus pertencem ao clado b do gênero Betacoronavirus. A doença causada pelo SARS-CoV-2 é chamada COVID-19. Apesar dos casos de infecção inicialmente estarem conectados ao mercado de animais e alimentos marinhos de Wuhan, uma eficiente transmissão humano-para-humano levou ao crescimento exponencial do número de casos e a eventual declaração de uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Sintomas mais comuns estão associados ao trato respiratório e ao sistema gastrointestinal, locais no corpo de maior infecção pelo vírus.

No momento, são mais de 590 mil casos oficialmente confirmados, com uma taxa de mortalidade em torno de 3,7%, mas alcançando níveis alarmantes na Itália - algo que talvez possa se espelhar no Brasil, segundo análises estatísticas mais recentes (I). No geral, pacientes contraindo a forma severa da doença constituem aproximadamente 15% dos casos. Nenhum tratamento efetivo ainda existe para o COVID-19.

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(I) Para mais informações sobre o assunto, acesse: O que se sabe até o momento sobre o novo vírus da China?

No novo estudo realizado pelos cientistas da Imperial College London -  instituição Britânica com sede principal em Londres, Reino Unido, e com um foco em ciência, engenharia e medicina -, uma análise foi realizada para estimar o potencial de escala da pandemia ao redor do mundo. Na análise, foram incluídos um número de cenários, como ausência de ações para frear o vírus (cenário não-mitigado) e presença de estratégias de distanciamento social (cenário mitigado). Além disso, foram também adicionados cenários onde medidas mais drásticas foram adotadas para reduzir ao máximo as mortes e infecções.

Com base nesses cenários e modelos de disseminação do vírus, os pesquisadores estimaram que na ausência de intervenções, o COVID-19 poderia ter resultado em 7 bilhões de infecções e 40 milhões de mortes globalmente este ano. Estratégias de mitigação focando em isolar os mais idosos (60% de redução nos contatos sociais) e transmissão mais lenta mas não interrupta (40% de redução nos contatos sociais a nível populacional) poderia reduzir esses números massivos de mortes e de infecção pela metade, salvando 20 milhões de vidas; porém, mesmo nesse último cenário, os sistemas de saúde em todos os países entrariam rapidamente em sério colapso. Esses efeitos provavelmente seriam mais severos em regiões com menos recursos financeiros e de saúde, e as estimativas mencionados, portanto, podem estar sendo inclusive subestimadas.

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A análise sugere que a demanda nos servições de saúde apenas pode ser mantida em níveis controlados através da rápida adoção de medidas de saúde pública (incluindo testes e isolamento de casos e robustas medidas de distanciamento social amplo) para suprimir a transmissão, similar àquelas adotadas em vários países atualmente. Se a estratégia de supressão é implementada cedo (a uma taxa de 0,2 mortes para cada 100 mil habitantes por semana) e de forma sustentada, então 38,7 milhões de vidas podem ser salvas, enquanto que se iniciada quando o número de mortes for maior (1,6 mortes para cada 100 mil por semana) um máximo de 30,7 milhões podem ser salvas. Atrasos na implementação de estratégias para suprimir a transmissão viral levará aos piores cenários e com bem menos vidas salvas.

Aqui no Brasil, em específico, os pesquisadores estimaram que mais de 1 milhão de vidas podem ser salvas a partir da adoção de estratégias radicais de isolamento social. Sem medidas de distanciamento social amplo que reduzam a transmissão do novo coronavírus, o Brasil pode ter até 188 milhões de casos, 6,2 milhões de hospitalizações (1,5 milhão na UTI) e ~1,15 milhão de mortes provocadas pela COVID-19. No cenário de restrições mais drásticas e precoces, as mortes acumulariam cerca de ~44 mil.

Portanto, segundo os autores do estudo (30 cientistas no total), estratégias de supressão precisarão ser mantidas de alguma maneira - mesmo em países com poucos recursos financeiros - até uma vacina ou tratamentos efetivos se tornem disponíveis para evitar o riscos de epidemias posteriores. Medidas efetivas para conter o avanço do SARS-CoV-2 nas próximas semanas e meses serão decisivas para salvar milhões de vidas.


POLÊMICA NO BRASIL

Uma publicação no periódico The Lancet (2) criticou pesadamente as campanhas promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro de incentivar as pessoas a voltarem ao trabalho e restaurarem a normalidade, ignorando as orientações de especialistas de saúde. Bolsonaro foi o único diretamente citado, com o restante sendo críticas às respostas lentas de alguns governos quanto à necessidade do distanciamento social amplo. Bolsonaro é o único líder mundial a querer contrariar - sem nenhuma base científica - as recomendação que visam a suprimir a disseminação do vírus e, consequentemente, achatar a curva de contágio.

"Muitos governos federais responderam rapidamente, mas muitos ainda não levam a sério a ameaça da Covid-19 - por exemplo, ignorando a recomendação da Organização Mundial da Saúde contra aglomerações. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, tem sido fortemente criticado por especialistas da área da saúde e enfrenta uma intensa reação pública por sua fraca resposta", cita o texto no periódico.

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O texto chama também a atenção para países como os Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Suécia que tiveram respostas lentas e hoje criticadas. A Europa e os EUA agora representam os novos epicentros da epidemia, com dezenas de milhares de casos confirmados e milhares de mortes. Também diz que "inevitavelmente" a próxima onda de infecções irá atingir a África e a América Latina, com países como Brasil, México e Peru já relatando milhares de casos confirmados.

"A maioria dos países Africanos ou Latino-Americanos tem apenas dezenas ou centenas de ventiladores e muitas unidades de saúde não possuem terapias básicas, como o suporte de oxigênio. Os sistemas frágeis de saúde logo serão sobrecarregados se a infecção se espalhar amplamente [não-achatamento da curva de contágio]. As pessoas que vivem em áreas urbanas pobres e superlotadas são especialmente vulneráveis. Muitos não têm saneamento básico, não podem se isolar e não têm licença médica paga ou previdência social", completou o texto.

De fato, o próprio prefeito de Milão, Itália, admitiu hoje, publicamente, seu erro ao ajudar a promover campanhas contra o isolamento social no início da pandemia. Hoje a Itália enfrenta uma grave crise decorrente do novo coronavírus, sério colapso do sistema de saúde, e um número de mortos que já está próximo de 10 mil.

Reforçando a importância do distanciamento social amplo, um estudo publicado no The Lancet Public Health (3) projetou que medidas de distanciamento físico com o retorno gradual ao trabalho ocorrendo no início de abril em Wuham (epicentro da epidemia na China) reduziria o número médio de infecções em mais de 92% e 24% em meados deste ano e no fim deste ano, respectivamente. Isso permitiria um robusto achatamento da curva de contágio e permitiria que o sistema de saúde atendesse bem a todos os indivíduos infectados. Em Wuham, e em toda a China continental, medidas drásticas de isolamento social foram bem implementadas nos últimos meses, freando efetivamente o avanço do vírus no país.


(1) Publicado do estudo: ICL

(2) Publicação do texto: The Lancet

(3) Publicação do estudo: The Lancet PB

Sem distanciamento social amplo, novo coronavírus provavelmente teria causado 40 milhões de mortes Sem distanciamento social amplo, novo coronavírus provavelmente teria causado 40 milhões de mortes Reviewed by Saber Atualizado on março 27, 2020 Rating: 5

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