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Lagos alcalinos podem ter sido o ponto inicial da vida e suportado o Mundo RNA


Dois estudos recentemente publicados, um na Science  e o outro na Proceedings of National Academy of Sciences (PNAS), trouxeram mais soluções químicas para a origem da vida. A problemática questão do fosfato e a síntese in situ dos componentes do RNA a partir de compostos simples e condições ambientais pré-bióticas ganharam duas convincentes soluções, e uma delas resolvendo um problema que se arrastava pelas últimas cinco décadas.


FOSFATO

O fosfato é um íon central para a origem da vida porque é um componente chave de nucleotídeos em moléculas genéticas, nos fosfolipídeos das membranas celulares, e em moléculas de transferência de energia, como a adenosina trifosfato. Para incorporar fosfato em biomoléculas, experimentos pré-bióticos que buscam elucidar possíveis caminhos para a origem da vida geralmente usam concentrações molares (ou seja, altas concentrações) desse íon para compensar sua baixa reatividade com compostos orgânicos em água. No entanto, fosfato é geralmente limitado a níveis micro-molares no ambiente devido ao fato de que esse íon precipita com cálcio como minerais de apatita de baixa solubilidade.

Essa disparidade entre condições laboratoriais e limites ambientais práticos é um enigma conhecido como 'o problema do fosfato', o qual vem assombrando os estudos sobre a origem da vida pelos últimos 50 anos.

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No novo estudo publicado na PNAS (1), investigando o potencial quantitativo de fosfato em ambientes aquáticos do mundo pré-biótico, pesquisadores da Universidade de Washington reportaram ter achado uma resposta plausível para o problema. O estudo focou em lagos atuais ricos em carbonato, os quais se formam em ambientes secos dentro de depressões que canalizam água escoando da paisagem ao redor. Devido às altas taxas de evaporação, as águas desses lagos geram soluções altamente concentradas em sais diversos e alcalinos, tornando o pH do sistema bem alto. Tais lagos, portanto, são chamados de 'lagos alcalinos', e são encontrados em todos os sete continentes.

Os pesquisadores primeiro analisaram as concentrações de fosfato em alguns desses lagos, incluindo o Lago Mono, na Califórnia, o Lago Magadi, no Quênia, e o Lago Lonar, na Índia. Apesar da concentração mudar dependendo da estação do ano e da localização geográfica, as análises mostraram que esses lagos tinham até 50 mil vezes mais fosfato do que os níveis desse íon encontrados em águas marinhas, rios e outros tipos de lagos. Essa descoberta inicial apontou a existência de algum mecanismo comum e natural responsável pelo acúmulo de fosfato nesses ambientes.

Experimentos e mais análises laboratoriais mostraram que os lagos modernos ricos em carbonato podem acumular até 0,1 mol de fosfato sob condições de estado estacionário de evaporação e de influxo de água, porque íons cálcio em solução (Ca2+) são sequestrados preferencialmente para a formação de minerais de carbonato, como a calcita (fórmula geral CaCO3). Isso previne a perda de fosfato dissolvido para a precipitação de apatita. E as análises mostraram que mesmo maiores concentrações de fosfato (>1 mol) podem se formar durante a evaporação na ausência de influxos de água (sem água extra entrando no lago). Mas não apenas isso.


Os pesquisadores concluíram também que os lagos do pré-biótico eram muito mais abundantes em fosfato do que hoje pela falta justamente de atividade microbiana e pela maior abundância de dióxido de carbono na atmosfera. Há cerca de 4 bilhões de anos, as altas concentrações de CO2 na atmosfera teriam acidificado mais a água, possibilitando que o pH dos lagos ricos em carbonato alcançasse níveis moderados (6,5-9,0), tornando a apatita mais solúvel e facilitando a liberação de fosfato das rochas. Hoje as baixas concentrações de CO2 atmosférico acabam limitando maiores concentrações de fosfato em 10-100 vezes. Em termos biológicos, sem microrganismos em abundância utilizando fosfato, obviamente as concentrações desses íons em solução aumentariam.

Para completar o cenário, ciclos de seco-molhado poderiam aumentar os níveis de fosfato em milhões de vezes, quando poças de água separadas do lago principal são evaporadas em temperaturas mais altas e/ou atmosfera pouco úmida (a).

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(a) Leitura recomendada: A Origem da Vida: O sabemos até agora?

Somando-se a isso, em estudos prévios, os mesmos pesquisadores do novo estudo também mostraram que os lagos ricos em carbonato são ricos em cianeto (CN-), um íon altamente tóxico para nós, mas não para micróbios primitivos, e crítico para reações químicas envolvendo radiação UV, enxofre e fosfato capazes de basearem a síntese de blocos da vida como RNA, DNA e aminoácidos.

Os lagos ricos em carbonato, portanto, são locais muito prováveis de terem sido o ponto de partida para a vida na Terra.


MUNDO RNA

Falando nos caminhos de síntese para a construção de blocos de vida em condições plausíveis do pré-biótico, temos o segundo estudo citado, publicado no periódico Science (2), reportando a síntese de nucleosídeos pirimídicos a partir de pequenas moléculas e ribose, dirigidas apenas por ciclos de seco-molhado. Além disso, os pesquisadores mostraram que, na presença de minerais contendo fosfato, 5'-mono e difosfatos também são formados seletivamente em reações in situ (no mesmo sistema). O caminho sintético encontrado mostrou-se compatível com a síntese de purinas, permitindo a formação concorrente de todas as bases Watson-Crick.

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Complexas moléculas de RNA devem ter se originado a partir de pequenas moléculas cuja reatividade foi guidada por processos físico-químicos. O RNA é construído a partir de nucleosídeos purinas e pirimidinas (b), os quais são requeridos para uma acurada transferência de informações e que, portanto, permitem evolução Darwiniana. A descoberta das propriedades auto-catalíticas do RNA e o desenvolvimento de sistemas replicantes de RNA têm dado forte suporte para o conceito de um 'Mundo RNA', ou seja, que a emergência dessa molécula protagonizou a evolução química, levando a um mundo de RNA-peptídeo e proteína, até finalmente vida primitiva. Nesse sentido, um pré-requisito para o Mundo RNA é a síntese de RNA a partir de uma plausível química pré-biótica.

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(b) Leitura recomendada: Letras artificiais e o maquinário genético

No novo estudo, os pesquisadores mostraram, através de uma ampla série de experimentos reacionais e técnicas analíticas, que em um mesmo sistema reacional simulando condições plausíveis da superfície terrestre pré-biótica - e usando moléculas simples atmosféricas (dióxido de enxofre, metano, nitrogênio, hidrogênio e dióxido de carbono, etc.) e íons derivados de rochas vulcânicas (como fosfato, Fe2+, Ca2+ e Zn2+) - foi possível obter todos os nucleotídeos que constituem o RNA (adenina, guanina, citosina e uracila) - as famosas letras A, G, C e U. A complexidade molecular observada nas misturas reacionais em experimentos laboratoriais também simularam ciclos de seco-molhado, onde o ambiente têm concentrações de água drasticamente alteradas, mas que refletem reais cenários temporais-climáticas (dia-noite ou diferentes períodos sazonais secos ou chuvosos). Outro pré-requisito provavelmente presente na Terra foram condições ambientais flutuando entre levemente ácidas (pH~3) - cenário potencialmente causado por chuvas ácidas (SO2, NOx) - e básicas (pH~10) - cenário potencialmente causado por carbonatos, e observado em lagos alcalinos mesmo hoje. Fosfatos associados aos nucleotídeos e importantíssimos para processos bioquímicos também foram gerados caso minerais de fosfato, como estruvita e apatita estivessem presentes [aliás, como mostrado no estudo anterior, fosfato não parece ser mais um problema considerando os lagos alcalinos].



Apesar das reações descritas no novo estudo terem ocorrido sob altas temperaturas (acima de 90°C), para acelerá-las, os pesquisadores também mostraram que as reações ocorriam também, de forma muito mais lenta, em temperaturas bem menores. Moléculas simples intermediárias trabalhadas no estudo também podem ter sido entregues por meteoroides e asteroides que atingiram a superfície terrestre (frequentes na jovem Terra), como cianeto de hidrogênio.

E, o mais notável, o estudo na Science corrobora perfeitamente o estudo na PNAS, reforçando que os lagos alcalinos podem ter sido de fato o berço da vida.


(1) Publicação do estudo: PNAS

(2) Publicação do estudo: Science

Lagos alcalinos podem ter sido o ponto inicial da vida e suportado o Mundo RNA Lagos alcalinos podem ter sido o ponto inicial da vida e suportado o Mundo RNA Reviewed by Saber Atualizado on janeiro 06, 2020 Rating: 5

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