Essa pintura de caverna pode ser a mais antiga história registrada por humanos

Em um estudo publicado esta semana na Nature (1), arqueólogos argumentaram que uma notável arte retratada na parede de uma caverna, datada em mais de 44 mil anos e trazendo a cena da caça de um búfalo e de um porco, é a mais antiga história (conto fantástico no caso) já registrada e conhecida até o momento. A descoberta foi feita na ilha de Sulawesi, na Indonésia, e sugere que o atual potencial de imaginação dos humanos modernos (Homo sapiens) já era expresso, no mínimo, desde essa época, quando ainda outras espécies humanas co-existiam com a nossa, como os Neandertais.

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Os humanos modernos - e possivelmente outras espécies do gênero Homo, em especial os Neandertais (Homo neanderthalensis) - parecem possuir uma predisposição adaptativa para a invenção, criação de histórias (contos) e consumo de histórias. Artes pré-históricas em cavernas fornecem os mais diretos conhecimentos sobre como podem ter sido as primeiras histórias contadas e fisicamente registradas, na forma de composições narrativas ou 'cenas' que trazem claras abordagens figurativas de conjuntos de figuras em proximidade espacial umas com as outras, e nas quais podem ser inferidas ações ocorrendo entre essas figuras.

Nesse sentido, as cavernas do Paleolítico Superior na Europa são as que hospedam as mais antigas imagens previamente conhecidas de humanos e animais interagindo em cenas reconhecíveis, e de teriantropos - seres abstratos que combinam qualidade tanto de animais não-humanos quanto de humanos, e que certamente comunicam ficção narrativa de algum tipo (folclore, mitos religiosos, crenças espirituais, entre outros). No registro de expressões artísticas pelos humanos modernos - compreendendo desde cerca de 40 mil anos atrás até o começo do Holoceno há cerca de 10 mil anos -, cenas em artes de cavernas são geralmente raras e cronologicamente tardias (datando em cerca de 21-14 mil anos atrás), e claras representações teriantrópicas são ainda mais raras - a mais antiga imagem do tipo é uma figura esculpida no território Germânico de um humano com uma cabeça de felino (datada em torno de 40-39 mil anos atrás).

Quebrando a expectativa, os arqueólogos no novo estudo reportaram um elaborado painel pintado na parede de uma caverna fora da Europa, na Indonésia. A arte na caverna - esta conhecida como Leang Bulu'Sipong 4, e localizada em Sulawesi - se estende por 4,5 metros e retrata várias figuras que parecem representar teriantropos caçando porcos selvagens e uma espécie de búfalo de pequeno porte, chamado 'anoa'. Em outras palavras, esses animais aparecem junto (interagindo) com figuras menores que parecem humanos mas que também possuem traços animalescos, como caudas e focinhos. Em uma seção, um anoa é flanqueado por várias figuras segurando lanças e possivelmente cordas.

A representação de teriantropos, segundo os autores do estudo, fortemente sugere que os humanos modernos mais primitivos em Sulawesi já tinham a habilidade de conceberem coisas que não existem no mundo natural. A cena retratada, apesar abordar uma caça cotidiana, a faz muito provavelmente em um contexto mitológico ou sobrenatural. A mais antiga pintura nesse nível só é conhecida da Caverna Lascaux, há cerca de 17 mil anos atrás, na Europa, e retrata claramente uma cena sobre um substrato rochoso.

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Para a datação do painel de arte na caverna da Indonésia, os pesquisadores analisaram formações de calcita sobre as pinturas, quantificando o teor de urânio e seu subproduto de decaimento (tório) (3) presentes nesse mineral. Através da datação radioativa, foi encontrado que porções da pintura - e provavelmente toda a obra -, tinham, no mínimo, 43,9 mil anos de idade.

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(3) Leitura recomendada: Como calcular a idade dos fósseis e da Terra?

Apesar da conclusão dos autores, uma matéria na Nature (Blog) (2), explorando o estudo e entrevistando outros arqueólogos não-associados ao trabalho, trouxe certo ceticismo sobre a real natureza do painel de arte. Alguns pesquisadores, opinando sobre o estudo, sugerem que o painel pode não representar uma única 'cena' ou história, mas, talvez, uma série de imagens pintadas ao longo de de até mesmo milhares de anos. Citam inclusive que, como as datações radioativas foram feitas apenas nas porções das pinturas com animais não-humanos, as figuras teriantrópicas podem ter sido incluídas bem mais tarde, próximo do Holoceno e corroborando representações simbólicas do tipo que passaram a ficar bastante comuns nos últimos 10 mil anos na Europa, África e na América do Norte.

De qualquer forma, considerando as evidências acumuladas até o momento - inclusive fortes evidências de simbolismos até mesmo entre Neandertais -, são grandes as chances do painel de arte na Indonésia ser, de fato, a história fantástica mais antiga já contada e registrada pela nossa espécie.


(1) Publicação do estudo: Nature

(2) Referência extra: Nature (Blog)