Mais um alarmante motivo para as crianças serem vacinadas contra o sarampo

Já era sabido que o sarampo, uma das doenças humanas mais contagiosas e causada por um vírus do gênero Morbillivirus, além de ser perigoso por si só, pode levar a complicações secundárias potencialmente letais, como pneumonia e inflamações cerebrais. Agora, dois detalhados estudos, analisando o sangue de crianças Holandesas não-vacinadas e que contraíram a doença, mostraram como o sarampo também compromete o sistema imune por meses ou até mesmo por anos, levando o corpo a literalmente 'esquecer' sua imunidade desenvolvida a outros patógenos no passado. E essa baixa no espectro do sistema imune pode ultrapassar 70%!

- Continua após o anúncio -

Muitas das mortes atribuídas diretamente ao vírus do sarampo - um total que supera 100 mil vítimas por ano - são causadas por infecções secundárias devido à ação do vírus de infectar e danificar funcionalmente as células do sistema imune. Durante os primeiros 3 a 10 dias de infecção, 20 a 70% das células de memória são infectadas, incluindo células-B, células-T, e células do plasma no tecido linfoide e no sangue periférico. Porém, até o momento, não se sabia se a infecção pelo vírus - caracterizada como uma doença respiratória aguda (responsável também por erupções cutâneas tardias e conjuntivite) - causava danos a longo prazo na memória do sistema imunológico, uma hipótese construída com base em evidências prévias.

Estudos epidemiológicos já haviam associado o sarampo com um aumento nas taxas de morbidade e mortalidade por anos após a infecção, sugerindo inclusive que na era pré-vacinação a doença podia estar associada com até 50% de todas as mortes infantis ligadas a infecções diversas. Esse proposto fenômeno é chamado de 'amnésia imune'. Agora, com o reaparecimento de surtos epidêmicos da doença ao redor do mundo - especialmente aqui no Brasil - responder a essa questão se tornou ainda mais importante. Desde 2018, houve um aumento superior a 300% nos casos de sarampo devido à redução na taxas de vacinação.

Nesse sentido, pesquisadores da Universidade de Harvard, EUA, resolveram analisar o sangue de 77 crianças na Holanda não vacinadas antes e 2 meses após serem infectadas naturalmente com sarampo. Os resultados mostraram que a infecção pelo vírus do sarampo causou a eliminação e 11% a 73% do repertório de anticorpos entre os indivíduos (média de ~20%). Recuperação dos anticorpos foi detectada somente após re-exposição natural aos patógenos. Notavelmente, esse efeito deletério no sistema imune não foi observado em crianças vacinadas com a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), mas foi também confirmado em macacos infectados com o sarampo (os quais não estavam vacinados). Infecções nesses primatas reduziram até 60% do repertório de anticorpos por pelo menos 5 meses. Em especial, o efeito de perda de memória imune foi atribuído a uma redução no espectro de células-B.

- Continua após o anúncio -

O estudo, portanto, confirma que o sarampo causa uma redução de longo prazo na memória humoral imune, mesmo após a resolução da doença, deixando as crianças mais vulneráveis no futuro a infecções diversas. Isso reforça ainda mais a importância da vacinação. A OMS estima que, no mundo todo, mais de 21 milhões de mortes diretamente causadas pelo sarampo ocorreram entre os anos de 2000 e 2017. Os pesquisadores do novo estudo estimam que um número extra muito maior de mortes causadas por outras doenças oportunistas está associada indiretamente com o sarampo nesse período. Centenas de milhares de mortes podem ser prevenidas nos próximos anos com uma cobertura ideal da vacina além das dezenas de milhares de mortes associadas diretamente ao sarampo anualmente.

Segundo os pesquisadores, a única forma de prevenir que o vírus do sarampo apague a memória imune do seu filho ou filha é através da vacinação.


(1) Publicação do estudo: Science

Leitura recomendada: Vacinas: História, Conquistas e Mitos