Estudo aponta origem evolutiva da nossa espécie no Sul da África

Um repercutido estudo publicado esta semana na Nature (1) usou dados genéticos, arquelógicos e climáticos para concluir que os primeiros ancestrais dos humanos anatomicamente modernos (Homo sapiens) emergiram em uma região 'acolhedora' no Sul da África  e continuou persistindo lá por 70 mil anos, até que mudanças climáticas favoráveis fomentaram a dispersão da nossa espécie para outras áreas, dando início à diversificação genética, étnica e cultural humana. Porém, a conclusão central do estudo - local de origem do H. sapiens - está enfrentando bastante resistência e ceticismo da comunidade acadêmica. 

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Os humanos anatomicamente modernos evoluíram na África a partir de outros ancestrais do gênero Homo, há cerca de 200-300 mil anos. E apesar de alguns dos mais antigos vestígios fósseis sugerirem uma origem no leste Africano, o sul da África é o lar de populações contemporâneas que representam os mais antigos ramos da filogenia genética humana. Para dificultar esse rastreamento evolutivo, DNA antigo de fósseis Africanos são escassos e não antigos o suficiente.

Nesse sentido, os pesquisadores no novo estudo resolveram analisar o material genético de povos hoje vivendo na África, especificamente o DNA mitocondrial (mtDNA) - um tipo de DNA localizado nas mitocôndrias (2) e passado quase sempre a partir da linhagem materna. No total, foram coletadas amostras de sangue de 198 pessoas pertencentes a grupos pouco conhecidos em termos genéticos, incluindo coletores-caçadores na Namíbia e no Sul da África que falam linguagens Khoisan (L0) com consoantes de clique. O mtDNA coletado de cada um dos participantes foi comparado com um banco de dados contendo 1217 mitogenomas de Africanos, a maior parte da região sul-Africana. O próximo passo foi construir uma árvore filogenética expressando como cada um dos indivíduos se relacionava em relação às variações no mtDNA (o mitogenoma age como uma cápsula do tempo das nossas mães ancestrais, acumulando lentamente mudanças ao longo das gerações). A escolha do mtDNA foi feita também porque, diferente de outros tipos de DNA, suas sequências não são embaralhadas durante o desenvolvimento fetal inicial, permitindo a construção de uma linha direta mais confiável para um pequeno número de fêmeas ancestrais.

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(2) Leitura recomendada: A mitocôndria não é um presente exclusivo da mãe

Os resultados das análises revelaram que uma linhagem mitogenômica no L0 representa o mais antigo mtDNA conhecido nos humanos hoje vivos. Ao estabelecer linhas do tempo, frequências e dispersões mitogenômicas, os pesquisadores mostraram que a linhagem L0 emergiu dentro da paleo-região de Makgadigad-Okavango - região hoje associada ao rio Zamberi - há aproximadamente 200 mil anos. Além disso, análises de divergência genética apontaram uma existência persistente de 70 mil anos para a linhagem L0 antes de migrações para o sudoeste e o nordeste da África entre 130 mil e 110 mil anos atrás.

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Investigando evidências fósseis, geológicas arqueológicas e fósseis, os pesquisadores revelaram que a 'terra natal' encontrada estava associada com o maior sistema de lagos da África, o Lago Makgadikgadi. Segundo o estudo, antes da emergência evolutiva dos humanos modernos, o lago tinha começado a se ramificar e a 'vazar' devido a deslocamentos de placas tectônicas sob a região. Isso teria criado um vasto bioma de pantanal, um dos mais produtivos ecossistemas para o sustento de vida. Tal transformação geográfica pode explicar a permanência dos primeiros H. sapiens na região por tanto tempo.

Eventualmente, essa estabilidade ecológica teria se expandido com a ocorrência de mudanças climáticas, favorecendo as primeiras migrações. Ao simular a história climática da região Sul Africana nos últimos 250 mil anos, os pesquisadores encontraram que lentas variações no eixo da Terra mudaram a radiação solar durante o verão no Hemisfério Sul, levando a variações periódicas nas chuvas ao longo do sul da África. Essas variações teriam aberto corredores verdes (ricos em vegetação e vida) primeiro há 130 mil anos ao nordeste e, então, ao redor de 110 mil anos ao sudoeste, possibilitando que os primeiros humanos modernos finalmente migrassem para fora do seu lar de origem. E uma terceira população teria permanecido no lar de origem até hoje.

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No entanto, especialistas não associados ao novo estudo estão céticos quanto ao achado, e argumentam que apenas análises genéticas de indivíduos hoje vivos não são suficientes para destrinchar nossa origem evolutiva há centenas de milhares de anos. Na opinião desses pesquisadores, seria também necessário a análise de uma boa quantidade e variedade de DNA extraído de fósseis muito antigos da nossa espécie para determinar com mais confiabilidade nossa área geográfica de emergência. Além disso, existe a possibilidade de que a linhagem L0 possa ter migrado para o sul da África de outras partes do continente ou ter sido parte de uma população maior cujos descendentes fora do sul da África foram extintos.

"O ponto central é que as populações se movem e se misturam tanto ao longo dos milênios que estudar o DNA de humanos hoje vivos é muito limitado se o objetivo é reconstruir o que aconteceu com populações há 70-200 mil anos atrás", disse o geneticista populacional Pontus Skoglund do Instituto Francis Crick, em Londres, para a Science Magazine (3). "Para isso, você precisa de DNA antigo. Ou fósseis muito bem datados."


(1) Publicação do estudo: Nature

(3) Referência extra: Science Magazine