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Descoberta espécie de enguia elétrica na Amazônia com um choque de 860 V



Um estudo liderado pelo pesquisador do Museu de Zoologia da USP, Naércio Menezes, e publicado no periódico Nature Communications (1), revelou que existem pelo menos três espécies de enguias elétricas (Electrophorus spp.), não apenas uma única como antes era assumido. Entre as três novas espécies descritas pelo estudo, uma delas pode liberar uma descarga elétrica de até 860 volts (V), a mais forte já registrada em qualquer animal. Para comparação, a tensão elétrica na tomada de força dos domicílios varia de 110 V a 220 V.

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As enguias elétricas são peixes da família Gymnotidae que são mais próximo relacionados aos Bagres (ordem Silurtiformes) e às carpas (família Cyprinidae) do que com outras famílias de reais enguias (ordem Anguilliformes). Nativos do México e da América do Sul, os Gymnotiformes (ordem à qual pertence a família Gymnotidae) são encontrados quase que exclusivamente em habitats de água doce, e são em grande parte animais de hábitos noturnos. Existem atualmente cerca de 250 espécies de Gymnotiformes descritas, englobadas em 34 gêneros e 5 famílias, e todas são capazes de produzirem fracos campos elétricos para comunicação e para a navegação. A maioria possui olhos bem pequenos.

As enguias elétricas em específico podem alcançar até 2,5 metros de comprimento, e são as únicas que conseguem produzir fortes descargas elétricas, geradas a partir de três órgãos especiais. A produção de fortes choques elétricos é usado para defesa e predação.

No novo estudo, os pesquisadores analisaram 107 espécimes coletadas em diferentes partes da floresta Amazônica no Brasil, no Suriname, na Guiana Francesa e na Guiana. Inicialmente, foi sequenciado o gene mitocondrial citocromo C oxidase I (COI), para então sequenciar outros nove genes nucleares e mitocondriais e realizar várias outras análises genéticas comparativas. Somado à análise genética, os pesquisadores investigaram características ecológicas e morfológicas das diversas enguias coletadas.

O formato corporal desses animais é altamente conservado, não tendo mudado muito ao longo dos últimos 10 milhões de anos de evolução. Apenas alguns pequenos detalhes da morfologia externa mostrou distinguir as enguias umas das outras, incluindo cores da pele e formato da cabeça. Para encontrar robustas distinções entre os espécimes, uma análise integrada da morfologia, genética e ecologia foi necessária, além da inclusão inédita de um dado extra: a capacidade de geração elétrica.

O resultado das análises revelou três distintas espécies de enguias elétricas: E. electricus, E. varii e E. voltai. A E. voltai é a que consegue produzir a maior tensão elétrica: até 860 V. O recorde anterior registrado era de 650 V. O nome dessa espécie faz homenagem ao Físico Alessandro Volta, cientista que inventou a bateria elétrica em 1799, baseando seu design justamente na enguia elétrica.


Antes dessa nova classificação, todas as enguias elétricas eram descritas como sendo apenas da espécie Electrophorus electricus, determinada em 1766 pelo naturalista Sueco Carl Linnaeus.

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NICHOS ECOLÓGICOS

O E. electricus habita uma área bem ao norte da Amazônia, conhecida como Escudo da Guiana, a qual engloba as regiões norte dos estados Brasileiros do Amapá, Amazonas e Roraima, da Guiana, da Guiana Francesa, e do Suriname. Regiões de estudo são caracterizadas por serem relativamente elevadas, excedendo 300 metros em altitude. Os sistemas fluviais nessas regiões possuem fluxos rápidos de água e quedas d´água, possui elevada oxigenação (>3 mg/L), fundos rochosos ou arenosos, e baixas quantidades de sais dissolvidos (condutividade <30 µS/cm).

O E. voltai habita o Escudo Brasileiro, região que engloba o sul do Pará e do Amazonas, assim como Rondônia e o norte do Mato Grosso. As características dessas regiões de Escudo favorecem ambas as espécies (E. electricus e E. voltai), as quais possuem cabeças chatas que ajudam na movimentação em meio a fluxos mais rápidos de água. A quantidade reduzida de sais dissolvidos torna a água eletricamente menos condutiva, o que pode ajudar a explicar porque a E. voltai evoluiu a capacidade de produzir uma tensão elétrica tão forte.

Em contraste, a E. varii habita a parte mais baixa da Bacia Amazônica, vivendo em rios túrbidos com relativas baixas quantidades de oxigênio dissolvido e fundos arenosos ou lamacentos. Além disso, a relativa grande quantidade de sais dissolvidos aumenta a condutividade da água, favorecendo a propagação das descargas elétricas. De fato, essa espécie gera tensões entre 151 V e 572 V, bem menores do que a da E. voltai.

As análises genéticas sugerem que as três espécies divergiram duas vezes. A primeira foi no Mioceno, há aproximadamente 7,1 milhões de anos, quando elas se separaram do ancestral comum. Então, no Plioceno, há aproximadamente 3,5 milhões de anos, a E. voltai e a E. electricus alcançaram o estado morfológico e genético mais próximo do atual. É provável que os diferentes ambientes na Bacia Amazônica (regiões de escudo e planícies alagadas) atuaram de forma decisiva para essas divergências evolutivas.

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O CHOQUE DA ENGUIA É LETAL?

Apesar da alta tensão elétrica gerada, a descarga elétrica das enguias possui baixa amperagem (aproximadamente 1 amp), ou seja, não é necessariamente perigosa para os humanos. Em comparação, o choque a partir de uma fonte de energia típica das nossas residências é de 10 ou 20 amp, e, nesse caso, mesmo com uma tensão elétrica bem menor, o choque pode ser letal dependendo do estado da pessoa. A amperagem mede a quantidade de carga elétrica transportada em função do tempo (Coulomb/s). Ou seja, mesmo cargas sendo transportadas com alta energia nas enguias elétricas, elas não estão em grande quantidade.

As enguias elétricas, no entanto, emitem não uma corrente direta, mas uma corrente alternada (em pulsos), com a carga sendo depletada após um forte choque. O órgão elétrico leva algum tempo para recarregar. No entanto, enquanto um grupo de enguias elétricas dificilmente irá matar diretamente uma pessoa saudável, um encontro desse pode ser muito perigoso para pessoas com problemas cardíacos. Além disso, como o ambiente do ataque será aquático, as chances de um afogamento são altas.

Esse forte ataque elétrico é usado por esses peixes para paralisar suas presas - em específico outros peixes - e também repelir potenciais predadores.

Para comunicação, as enguias elétricas usam descargas mais fracas, de ~10 V.


(1) Publicação do estudo: Nature

Descoberta espécie de enguia elétrica na Amazônia com um choque de 860 V Descoberta espécie de enguia elétrica na Amazônia com um choque de 860 V Reviewed by Saber Atualizado on setembro 14, 2019 Rating: 5

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