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Licenciamento ambiental: mais uma lei ambiental sob ataque


A Amazônia e os biomas Brasileiros voltaram a sofrer forte ameaça devido às ações e descaso do novo governo, o qual vinha explicitamente buscando apoiar o retrógrado modelo de desenvolvimento baseado na expansão agressiva das fronteiras agropecuárias. O novo governo, através do seu Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles - condenado por processo de fraude ambiental e sendo investigado por mais dois crimes -, buscou sistematicamente sufocar os mecanismos de proteção ambiental atuantes na Amazônia, desde ONGs até órgãos governamentais de preservação e fiscalização ambientais, como o Ibama e o ICMBio. Inclusive o Fundo Amazônia e outros recursos financeiros doados para a proteção da Amazônia foram atacados e neutralizados, levando a um estado de total paralisação nas atividades de conservação do bioma amazônico.

Essa anti-política de preocupação ambiental naturalmente levou ao aumento explosivo do desmatamento nos últimos meses e, consequentemente, aumentaram o potencial de queimadas agora na estação mais seca do ano. Isso para não mencionar o ataque ao INPE (1) e acusação do presidente, sem prova alguma, de que as ONGs poderiam estar por trás das queimadas criminosas na Amazônia.

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(1) Para saber mais, acesse: Grupo de cientistas lança manifesto em defesa do Inpe

Mas não foram só esses fatores que levaram hoje os representantes das principais potências Europeias a pressionarem o governo Brasileiro e a ameaçarem cortar o acordo de livre comércio que seria fechado entre a União Europeia e o Mercosul. O bioma da Amazônia vem enfrentado outras grandes ameaças, desde projetos insustentáveis de mais mega-hidrelétricas até projetos de lei que estão visando acabar com o Código Florestal. e outros dispositivos legais de proteção ambiental Nesse último caso, temos como destaque os senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Marcio Bittar (MDB-AC), defendendo um projeto de lei que visa acabar com as reservas legais. Até mesmo representantes do agronegócio ficaram chocados com tal proposta (2). E, mais recentemente, um texto referente à Lei Geral de Licenciamento Ambiental, entregue pelo deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) (3), veio para trazer mais uma apunhalada na política ambiental Brasileira.

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(2) Para saber mais, acesse: Floresta Amazônica: Preservá-la não é Ideologia, é Futuro

Nos próximos dias, a Câmara dos Deputados planeja votar o projeto de Lei Geral de Licenciamento Ambiental, esta a qual é a uma das leis ambientais mais importante do país, já que visa regular qualquer atividade econômica com impacto no meio ambiente, na saúde e na segurança do cidadão Brasileiro. Após dois anos de negociações fracassadas entre o governo Temer e a bancada ruralista, que buscava uma lei que extinguisse na prática o licenciamento para a agropecuária, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) resolveu entregar a relatoria do projeto a Kim, este o qual, após vários debates, dez audiências públicas e três versões entregou um texto-surpresa, anti-ambientalista e obviamente visando agradar unilateralmente os ruralistas mais retrógrados e empreendedores sem consciência de sustentabilidade.

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O texto de Kim, uma vergonha que mancha ainda mais a imagem do país ao flexibilizar de forma extrema a emissão de licenças ambientais, foi amplamente criticado por especialistas, pela comunidade científica em geral (4) e pela sociedade civil (5), que acusa Kim de quebra de acordo constitucional. Entre os principais pontos de crítica apontados no texto, estão:

- Exclusão de impactos classificados como “indiretos” do licenciamento ambiental, o que serviria como motor para o aumento do desmatamento na Amazônia e de conflitos sociais e ambientais;

- definição do auto-licenciamento (por adesão e compromisso) como regra para todos os empreendimentos que não causem significativo impacto, o que implica o fim do licenciamento regular e a proliferação de riscos de novos desastres ambientais, como os de Mariana e Brumadinho;

- aplicação de auto-licenciamento também para empreendimentos de significativo impacto, como a ampliação e a pavimentação de rodovias, inclusive na Amazônia;

- permissão para cada estado e município dispensar atividades de licenciamento, abrindo as portas da corrupção e de uma guerra anti-ambiental entre entes federativos para atrair investimentos;

- dispensas de licenciamento para atividades de impacto, como “melhoria” e “modernização” de infraestrutura de transportes;

- dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias, travestida de inscrição no Cadastro Ambiental Rural;

- supressão da localização do empreendimento como critério para definir o grau de rigor do licenciamento, deixando de lado a diferença entre instalar uma atividade em área ambientalmente frágil ou fazê-lo em área sem relevância
ambiental;

- incentivo à irregularidade com o uso de licença corretiva desprovida de qualquer parâmetro;

- eliminação da avaliação de impactos sobre milhares de áreas protegidas, tornando inexistentes, para fins de licenciamento, 29% das terras indígenas, 87% dos territórios quilombolas e 543 unidades de conservação da natureza;

- extinção da responsabilidade de instituições financeiras por dano ambiental, minando importante instrumento de indução da regularidade nas cadeias produtivas

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Kim e os ruralistas defendem que as mudanças no projeto são lógicos, e que críticas ao novo texto não possuem fundamentos. Segundo eles, o licenciamento atual é um grave entrave ao desenvolvimento do país, independentemente se são projetos de grande complexidade ou não. Uma drástica flexibilização seria, portanto, naturalmente necessária. Na verdade, um proposta anterior por parte dos ruralistas, ainda mais absurda, previa o fim dos licenciamentos ambientais.

O Observatório do Clima (6), uma coalização de organizações da sociedade civil Brasileira que visa a discussão de temas relacionados às mudanças climáticas, recentemente realizou uma análise do texto e dos argumentos do texto de Kim, detectando diversas falhas e falsas justificativas. Entre elas, foram destacados e esclarecidos:

I. "Hoje não existe legislação geral para regulamentar o licenciamento ambiental, o que resultou em mais de 70 mil leis ambientais, gerando insegurança jurídica e confusão." 

Isso é pavorosamente falso. O licenciamento ambiental é objeto de um dispositivo da Lei 6.938/1981, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 10) e consta na divisão de atribuições entre os entes federados trazida pela Lei Complementar 140/2011. Há atualmente 42 resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) em vigor que incluem regras gerais ou setoriais sobre licenciamento ambiental. Somando-se esses atos normativos e mais uma ou outra referência a licença em leis como a Lei da Mata Atlântica ou em decretos presidenciais, podemos pressupor que tenhamos cerca de 50 regulações editadas pela União – um número três ordens de grandeza menor que o estimado pelo deputado. Para alcançar 70 mil, cada um dos 27 Estados e 5.570 municípios teria de ter 12 leis sobre licenciamento ambiental.

II. "Licenças ambientais podem custar até 27% do empreendimento, muitas vezes inviabilizando a atividade."

Também falso. As taxas cobradas pelos órgãos ambientais para análise e emissão da licença não chegam nem perto do mencionado pelo deputado. O número citado pelo parlamentar, que se baseia em documento da Frente Parlamentar da Agropecuária, refere-se a todos os gastos com os estudos e implantação dos programas socioambientais inclusos como condicionantes das licenças e, provavelmente, foi obtido neste documento, que não inclui a fonte dos dados. Segundo o Observatório do Clima, é muito difícil fazer essa conta, já que os empreendimentos diferem entre si. Considerando as usinas hidrelétricas implantadas no país, que estão entre os empreendimentos com maior número de condicionantes, estudo do Banco Mundial que analisou 66 delas fala em custos de 12% para os programas socioambientais. De resto, se o valor da prevenção, mitigação e/ou compensação de impactos de uma obra é alto demais, isso não é sinal de que a legislação está errada e sim de que a obra é ambientalmente inviável.

III. "O órgão ambiental não tem prazo para se manifestar, o que além de atrasar a obra também incentiva a corrupção."

Falso. Não há prazos definidos em lei federal para a emissão da licença, mas eles estão fixados por outras normas. A Resolução Conama nº 237/1997, por exemplo, estabelece que o órgão ambiental competente poderá estabelecer prazos de análise diferenciados para cada modalidade de licença, desde que observado o prazo máximo de seis meses a contar do ato de protocolar o requerimento. Se houver EIA/RIMA e/ou audiência pública, o prazo é esticado para até 12 meses. No licenciamento ambiental federal a cargo do Ibama, a Instrução Normativa nº 184/2008 estabelece que o prazo para a análise técnica do EIA/RIMA será de 180 dias, contados a partir do aceite do estudo. Auditoria recente do Tribunal de Contas da União em 32 processos concluiu que o Ibama conseguiu cumprir os prazos de análise do EIA em 75% dos processos de empreendimentos de transmissão de energia. O TCU concluiu também que há demora por parte dos empreendedores em promover as correções necessárias nos estudos ambientais, o que contribui para o alongamento do prazo de concessão das licenças prévias. Há, sim, atrasos – decorrentes da má qualidade de parte dos estudos, do número insuficiente de técnicos nos órgãos ambientais e de outros fatores que não serão solucionados com a Lei Geral simplesmente fixando prazos taxativos. Sobre a acusação de corrupção, isso é apenas achismo do Kim.

IV. "Licenciamento ambiental não tem nada a ver com índios ou desmatamento."

Aqui o deputado tenta, ridiculamente, defender que danos indiretos das obras ambientais, como o desmatamento, não estão associados com o licenciamento ambiental (??). É como dizer que um possível alto risco de acidente associado a um projeto industrial deve ser desconsiderado das análises ambientais porque não é algo certo de ocorrer.

Por exemplo, podemos citar uma fala sua para o jornal O Estado de S. Paulo: "Não acho que tentar solucionar isso via licenciamento ambiental seja a solução, mesmo porque é o que se tenta fazer hoje e não dá certo. O que a gente tem é o pior dos dois mundos, que é desmatamento e burocracia. Então, tanto o meio ambiente sai prejudicado quanto os empreendimentos saem prejudicados". Mas o licenciamento ambiental não visa mesmo solucionar desmatamento em andamento, ele visa prevenir, oras.

Sobre indígenas e quilombolas, a proposta do relator propõe que a Funai e a Fundação Palmares só sejam ouvidas se as obras impactarem terras indígenas em adiantado processo de formalização e territórios quilombolas titulados. Segundo dados levantados pelo Instituto Socioambiental, 163 terras indígenas (22% do total) e 1.514 territórios quilombolas (86% do total) seriam desconsiderados no licenciamento ambiental. Segundo o relator: “Se existe um problema, um gargalo para formalização de terras indígenas, quem precisa ser pressionada é a Funai. Feito isso, vamos escutar no licenciamento ambiental”. A lógica dessa argumentação subordina os direitos dos indígenas e quilombolas, que são assegurados pela Constituição e pela Convenção 169 da OIT, a formalizações que não dependem dessas populações. Se o licenciamento ambiental desconsiderar os direitos de indígenas e quilombolas, procurando resolver possíveis problemas futuros, isso com certeza trará um caos, porque consequências de obras irresponsáveis podem ser trágicas, travando mais do que acelerando, e empurrando problemas complexos para o Judiciário.

IV. "A dispensa de licença prevista na proposta do relator é apenas para tapar buracos e instalar drenagem e sinalização em estradas."

Discussão rasa e tendenciosa dos fatos. A quarta versão da proposta do Relator dispensa de licença “serviços e obras direcionados à melhoria, modernização, e manutenção de infraestrutura de transportes em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluindo dragagens de manutenção”. Os conceitos de melhoria, modernização e manutenção não estão inclusos na proposta. Há omissões nas explicações de Kim sobre esse dispositivo. Ele não abrange apenas rodovias, mas também ferrovias, hidrovias, aeroportos e portos. Ele também libera de licença a melhoria, modernização e manutenção mesmo de empreendimentos que nunca foram licenciados. Para justificar a dispensa de licenciamento, seria necessário que os impactos associados aos empreendimentos fossem claramente irrelevantes, o que está longe de poder ser afirmado com a redação vaga do projeto.

Aliás, essa falta de embasamento, omissão de dados e raso conteúdo também marcam o projeto de lei de Flávio Bolsonaro que visa acabar com as reservas ambientais. São textos apenas de enfeite que visam apenas atender à pressão dos ruralistas sem consciência ambiental.


V. "O licenciamento ambiental é responsável pela paralisação de obras de saneamento ambiental."

Nessa última justificativa falaciosa, o Observatório do Clima fez questão de realçar o absurdo. O Brasil tem déficits inaceitáveis na coleta e tratamento de esgotos e outros serviços de saneamento ambiental. Mas o licenciamento não é responsável por 52% da população não ter acesso à coleta de esgotos ou por apenas 45% dos esgotos do país serem tratados. Simplesmente falta dinheiro. O governo federal estima que são necessários R$ 600 bilhões para a universalização dos serviços de saneamento básico no país. Kim em específico cita em seu texto 173 obras paralisadas, associadas com recursos do extinto Ministério das Cidades. Porém, se tais obras foram paralisadas, significa que foram iniciadas, e, em tese, só poderiam ter sido iniciadas com a aprovação de um licenciamento ambiental, oras! O problema, mais, uma vez, são a falta de recursos e má administração pública, não o licenciamento.

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Para o professor do Departamento de Geografia e do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro, as alterações no projeto de Lei Geral de Licenciamento Ambiental, promovidas por Kim são um “retrocesso”. Em entrevista para a Rádio Brasil Atual (7), o geógrafo apontou que no texto de Kataguiri fica claro que interesses de classe estão sobrepostos ao interesse público, de salvaguardar o meio ambiente para as gerações atuais e futuras, por exemplo ao estabelecer o auto-licenciamento de forma indiscriminada. “Nós sabemos que o empresariado em geral, no Brasil especialmente, cumpre a regra mínima, quando cumpre. Então é de fato algo muito preocupante porque vai ser um liberou geral”, critica Ribeiro.

No geral, Kim deixa sugerido também que os empreendedores das mais diversas áreas são responsáveis e ambientalmente conscientes, não necessitando sempre de uma licença para autorizar seus projetos. Ou seja, transformar a lei em exceção, e não em regra geral, não atrelaria consequências negativas, apenas positivas. Talvez por ingenuidade, Kim realmente acredite nisso.

Apesar dos processos de licenciamento ambiental enfrentarem, de fato, problemas, não será com desinformações, medidas ultra-simplistas e quebra do interesse público que a situação irá melhorar. Faltam recursos, melhor estrutura e agentes especialistas bem treinados nessa área para acelerar os licenciamentos sem o comprometimento da qualidade. Mas, obviamente, é preciso frisar que os licenciamentos sempre terão uma natureza 'lenta', porque análises ambientais de qualidade levam tempo. Pressa, corrupção e omissão apenas adiam as tragédias. As recentes rupturas de barragens em Mariana (MG) e Brumadinho (MG) trazem um exemplo bem traumático que ilustra bem a questão.

Preservação ambiental não é um empecilho para o desenvolvimento de um país. Muito pelo contrário, a bioeconomia é a mais forte e promissora marca da atual Quarta Revolução Industrial, e cujo potencial é especialmente alto no contexto de alta biodiversidade presente no Brasil.

> Leitura recomendada: O Guru ambiental do novo governo tem razão?


(3) Projeto de lei: PL 3729/2004

(4) Nota assinada por 84 organizações da sociedade civil repudiando as mudanças no licenciamento.

(5) Crítica da Coalização Ciência e Sociedade, formada por mais de 60 pesquisadores do país.

(6) Referência: Observatório do Clima

(7) Rede Brasil Atual

Licenciamento ambiental: mais uma lei ambiental sob ataque Licenciamento ambiental: mais uma lei ambiental sob ataque Reviewed by Saber Atualizado on agosto 23, 2019 Rating: 5

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