Revelada homologia no desenvolvimento de membros nos vertebrados, artrópodes e moluscos
Um estudo publicado esta semana no periódico eLife (1) mostrou que o desenvolvimento dos membros de vertebrados, artrópodes e chocos (um molusco cefalópode) compartilham os mesmos genes e caminhos de sinalização, corroborando uma hipótese evolutiva de homologia sugerida desde a década de 1990. O achado deixa explícito outro traço comum de ancestralidade entre esses animais conservado ao longo do processo evolutivo de diversificação do Reino Animalia, o qual provavelmente é compartilhado por todos os animais bilaterais - com ou sem membros. Em específico, os resultados do estudo sugerem fortemente que os membros dos cefalópodes evoluíram via ativação paralela de um programa genético para o desenvolvimento de apêndices que estava presente no ancestral comum dos animais bilaterais.
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Uma perna humana, à primeira vista, parece ter pouco em comum com uma perna de inseto, a não ser o fato de que ambas são usadas para a locomoção. Nesse sentido, a maioria dos zoólogos têm aceito que os membros dos vertebrados e dos artrópodes evoluíram de forma independente (e convergente) e, portanto, não seriam estruturas homólogas (1). Porém, análises genéticas não deixam isso muito claro, e a embriologia mostra que todos os membros se desenvolvem em embriões usando processos fundamentais muito similares. Estudos na espécie de mosca-da-fruta Drosophila melanogaster inicialmente identificaram um número de genes e caminhos de sinalização que guiam o desenvolvimento das pernas ao longo dos três eixos do corpo: anterior-posterior (cabeça até a cauda), dorsal-ventral (de cima para baixo) e proximal-distal (o qual corre do corpo para as pontas dos membros).
Nesse sentido, nos insetos, duas proteínas, Extradentículo e Homotórax, são co-expressas na parte da perna mais próxima do corpo, estabelecendo um eixo proximal-distal inicial no membro em desenvolvimento. A parte distal é refinada ainda mais por genes específicos (leg-gap) ativados por sinalizações moleculares ativas nessa área, como os caminhos de sinalização Wnt, Hedgehog e o Bmp. Dois desses caminhos, Wnt e Hedgehog, estão também envolvidos em estabelecer os eixos anterior-posteriores da perna; os outros dois, Wnt e Bmp, colaboram para formar a orientação dorsal-ventral.
E essa orquestra molecular mostrou posteriormente não ser exclusiva dos insetos. Estudos a partir de 2005 encontraram que os mesmos genes e caminhos de sinalização também controlam o desenvolvimento de membros nas galinhas, nos ratos, e nos vertebrados em geral. Ou seja, esses programas de controle teriam sido conservados ao longo do processo evolutivo. De acordo com a Hipótese da Co-Opção, um programa de desenvolvimento dos membros evoluiu no ancestral comum dos bilaterais (clado Bilateria) - um grupo que inclui a maioria dos animais com exceção de formas primitivas como as esponjas-do-mar, e que possuem imagem espelhada das metades do corpo - para moldar um apêndice que mais tarde desapareceu durante a evolução. Porém, ainda segundo a hipótese, o programa em si sobreviveu nos artrópodes, vertebrados e, possivelmente, em outros bilaterais - como os moluscos - onde teria ganho outros propósitos de forma independente para a construção de membros. Assim, o programa do apêndices seria homólogo, mas as estruturas que ele ajuda a moldar não seriam.
No novo estudo publicado no eLife, pesquisadores da Universidade da Flórida reportaram que vários genes no programa conservado de apêndices são também expressos no desenvolvimento de braços e de tentáculos de dois moluscos cefalópodes, os chocos (também conhecidos como sépia ou siba) das espécies Sepia officinais e Sepia bandensis. Assim como os membros de vertebrados e de artrópodes, os apêndices dos chocos possuem uma parte proximal que co-expressam os genes Extradentículo e Homotórax, e uma parte distal que expressa homólogos dos genes leg-gap e componentes dos caminhos Wnt, Hedgehog e Bmp. Além disso, os padrões em que os genes são expressos nesses moluscos mostraram-se muito semelhantes àqueles nos membros dos artrópodes e nos vertebrados. O Hedhog, por exemplo, controla o número de ventosas nos braços dos choco da mesma forma que controla o número de dedos na mão humana.
Experimentos inibindo quimicamente o caminho Bmp em embriões dos chocos revelaram que esse caminho de sinalização é também requerido para o desenvolvimento apropriado dorsal-ventral nos cefalópodes. Já transplantando tecido de embriões que expressam o Hedgehog para chocos em desenvolvimento levaram à geração de um segundo eixo anterior-posterior nos braços e nos tentáculos. Ainda no Hedhog, usando o fármaco ciclopamina para reprimir esse caminho de sinalização, foi observado uma dramática redução nos eixos dos membros.
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Todos esses achados deixam conclusivo que as pernas segmentadas dos artrópodes, os membros de vertebrados, e os braços e tentáculos dos cefalópodes usam mecanismos genéticos de desenvolvimento muito similares. Apesar disso não indicar que os membros são homólogos, o estudo mais do que suporta como verdadeira a hipótese da co-opção. Isso também fortemente sugere que todos os animais que divergiram dos bilaterais - répteis, mamíferos, aves, anfíbios, insetos, crustáceos, cefalópodes, gastrópodes, etc. - possuem conservado e ativo o programa ancestral de apêndices para a formação de alguma estrutura protuberante, mesmo em animais sem membros, como vermes e cobras. Até mesmo extintos representantes bilaterais bem primitivos exibem extensões frontais que possivelmente foram determinadas pelo programa de apêndices. O sistema para a criação de membros nos animais, portanto, provavelmente emergiu há mais de 500 milhões de anos com os primeiros animais bilaterais, e desde então vem sendo ativado para a criação de diferentes membros e outras estruturas similares em diferentes linhagens evolutivas.
Para confirmar de vez esse traço de ancestralidade comum em todos os bilaterais (mesmo processo molecular de desenvolvimento dos três eixos corporais), falta agora analisar os animais do superfilo Gnatifhera (animais marinhos microscópicos que se alimentam de fungos e bactérias, e que se locomovem com cílios epidérmicos via deslizamento).
Próximos estudos também irão examinar como esse programa ancestral de apêndices é interpretado de forma distinta para dar origem a braços, pernas, asas, e outras formas de membros.
(1) Publicação do estudo: eLife
(3) Referência adicional: eLife (comentário)
Revelada homologia no desenvolvimento de membros nos vertebrados, artrópodes e moluscos
Reviewed by Saber Atualizado
on
junho 22, 2019
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