Pesquisadores Brasileiros revelaram como as cobras perderam seus membros durante o processo evolutivo
Cobras e lagartos são répteis da ordem Squamata. Ambos compartilham diversas características, mas diferem em um aspecto bastante evidente: lagartos têm membros, e cobras não. As duas subordens se diferenciaram há mais de 100 milhões de anos durante o percurso evolucionário. Nesse sentido, pesquisadores Brasileiros - liderados pela Pós-Doutoranda Juliana Gusson Roscito, atualmente no Instituto Max Planck de Biologia Celular Molecular e Genética, em Dresden, Alemanha, e sob supervisão do professor titular do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Miguel Trefaut Urbano Rodrigues - resolveram identificar as causas genéticas envolvidas nessa perda de membros. Os resultados do estudo foram publicados na Nature Communications (1).
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Para o estudo, os pesquisadores sequenciaram e montaram o genoma do lagarto teiú (Salvator merianae) e, usando o genoma dessa espécie como referência, foi criado um alinhamento entre genomas de várias espécies, incluindo de duas cobras (gêneros Boa e Python), três outros répteis com membros (anolis-verde, dragão-barbudo e lagartixa), três pássaros, jacaré, três tartarugas, 14 mamíferos, sapo e celacanto. Este alinhamento de 29 genomas foi usado como base para todas as análises posteriores. Além de investigar a perda de membro nos répteis, os autores do estudo também buscaram explicar a degeneração dos olhos em mamíferos subterrâneos.
Através de um exaustivo trabalho de sequenciamento genômico, genômica funcional, e análise comparativa genômica-ampla, os pesquisadores identificaram quase 6 mil regiões de DNA candidatas a elementos regulatórios em várias espécies. A partir dessa grande base de dados, foi mostrado que a perda de membros nas cobras está associada com uma disseminada divergência de elementos regulatórios dos membros. Já nos mamíferos, a degeneração dos olhos mostrou estar associada com uma disseminada divergência de elementos regulatórios dos olhos. Como elementos regulatórios divergidos estão associados com genes necessários para o modelamento normal de membros ou para o desenvolvimento e função normais da estrutura ocular, isso fortemente sugere que a divergência regulatória contribuiu para a perda desses fenótipos.
Mecanismos epigenéticos regulam a diferenciação celular na fase embrionária dos animais para a formação de diversos tecidos a partir de uma única célula (zigoto). Morfologia é estabelecida durante o desenvolvimento e requer o modelamento do embrião em desenvolvimento para dar fins específicos às células. Processos de modelamento são controlados por genes que estão frequentemente envolvidos no desenvolvimento de várias diferentes estruturas. Consequentemente, a expressão desses genes pleiotrópicos de desenvolvimento precisam ser rigidamente regulados de maneira espaço-temporal. Nesse sentido, algo crucial na regulação transcricionais de genes de desenvolvimento pleiotrópicos são os elementos cis-regulatórios, os quais frequentemente controlam a expressão gênica em tecidos específicos em momentos pontuais específicos.
Diferenças na pleiotropia entre genes de desenvolvimento e elementos cis-regulatórios impactam quais mutações são permissíveis durante os processos evolutivos. Enquanto que mutações em regiões codificantes de um gene pleiotrópico pode afetar a função genética em várias tecidos - interferência muitas vezes prejudiciais -, mutações em elementos modulares cis-regulatórios provavelmente afetam a expressão genética apenas em momentos e tecidos específicos. Nesse sentido, é consensualmente proposto que a morfologia em grande parte evolui via mudanças na expressão espaço-temporal de genes de desenvolvimento, os quais, por sua vez, evoluem via mudanças nos elementos cis-regulatórios básicos (mudanças genômicas não-codificantes).
A perda de um fenótipo complexo é um caso extremo de evolução morfológica. Sobre essa perda fenotípica, é esperado uma trajetória evolucionária diferente para a informação genética baseando esse fenótipo. Por outro lado, a integridade de genes de desenvolvimento deve ser mantidas ao longo do tempo devido a seleção nas funções desses genes que não estão relacionadas ao fenótipo perdido. Contudo, elementos modulares cis-regulatórios associados especificamente com esse fenótipo podem contribuir diretamente para a sua perda e são esperados de evoluírem posteriormente de forma neutra. Esse processo deveria resultar em divergência sequencial e portanto a decaída de atividade regulatória ao longo do tempo.
No entanto, estudos recentes encontraram que numerosos elementos de regulação associados ao desenvolvimento e funcionalidades de membros ainda estão conservados em cobras, mesmo que a redução dos membros na linhagem desses répteis tenha ocorrido há mais de 100 milhões de anos, possivelmente devido a elementos regulatórios que dirigem expressão gênica em outros tecidos não-associados a membros.
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Com os achados do novo estudo Brasileiro, a divergência de centenas de elementos cis-regulatórios de fato mostrou explicar consistentemente a perda de traços morfológicos nas cobras e nos mamíferos subterrâneos, fornecendo sólido suporte para a hipótese evolucionária sendo testada.
Mas enquanto a divergência de elementos cis-regulatórios provavelmente contribuiu para a perda de membros e funcionalidade dos olhos, a contribuição da divergência genética notavelmente difere entre os dois traços morfológicos. Olhos consistem de vários tecidos únicos e tipos celulares, como lentes ou células fotorreceptoras, os quais expressam muitos genes não-pleiotrópicos. Em contraste, genes expressos no desenvolvimento de membros são frequentemente pleiotrópicos. Essa diferença em pleiotropia prediz uma contribuição diferencial da perda de genes para a regressão de membros e de olhos. De fato, apesar da degeneração ocular ter acontecido evolucionalmente muito mais recente se comparado à perda de membros, vários genes específicos dos olhos divergiram e se tornaram inativados nos mamíferos subterrâneos. Já em cobras, a única perda genética reportada parece ser o gene HoxD12.
Além de jogar uma luz nos processos evolucionários associados às cobras e aos mamíferos subterrâneos, o novo estudo forneceu uma estratégia amplamente aplicável de genômica comparativa e funcional para a detecção de elementos cis-regulatórios candidatos que podem estar ligados às diferenças morfológicas entre espécies.
Publicação do estudo: Nature
Referência adicional: Agência FAPESP
Pesquisadores Brasileiros revelaram como as cobras perderam seus membros durante o processo evolutivo
Reviewed by Saber Atualizado
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abril 08, 2019
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