Fragmento de rocha lunar coletado pela Apollo 14 parece ser terrestre
Cientistas da Universidade Estadual da Flórida e do Instituto Planetário e Lunar em Houston, Texas, revelaram que um fragmento de uma rocha trazida da Lua durante a missão Apollo 14 parece ser, na verdade, um pequeno pedaço do nosso próprio planeta, datado em 4 bilhões de anos de idade. Ou seja, a rocha mais antiga da Terra que conhecemos hoje estava no nosso satélite natural. O achado foi descrito em um estudo publicado no periódico Earth and Planetary Science Letters.
Segundo a hipótese de longe mais corroborada pelo novo estudo, há cerca de 4 bilhões de anos, quando um específica rocha se formou aqui na crosta da Terra, o impacto de um massivo asteroide na superfície terrestre esmigalhou e lançou para fora de órbita inúmeros fragmentos dessa rocha. No espaço, o fragmento acabou encontrando seu caminho para a Lua, a qual na época estava 3 vezes mais próxima do nosso planeta do que hoje. Na Lua, com o passar do tempo e após um massivo evento de impacto, o fragmento foi parcialmente reprocessado e acabou sendo englobado por um tipo de rocha lunar chamado de brecha calcária. A preservação do fragmento ocorreu em grande parte porque a Lua não possui os poderosos processos climáticos e geológicos que erodem as rochas e minerais aqui no nosso planeta. Então, em 1971, os astronautas da missão Apollo 14 foram à Lua, coletaram essa rocha - em meio a um total de 382 kg de rochas - e voltaram para a Terra.
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Apenas em 1983, os cientistas identificaram e caracterizaram o pequeno fragmento de meteorito terrestre na rocha lunar - catalogada como 'amostra 14321'. O fragmento, com uma massa de 1,8 gramas, é uma mistura do tipo felsito de quartzo (~40%), feldspato (~60%), e cristais de zircônio. Para datar o fragmento, em 1996 os pesquisadores analisaram quantitativamente a presença de urânio e seus produtos de decaimento (1) nos cristais de zircônio. Agora, análises elementares e físico-químicas revelaram os níveis de titânio - para a determinação da temperatura e a pressão na época de formação da rocha - e de outros elementos traços presentes no fragmento, como o cério (íons de oxidação 4+ no caso), esses últimos os quais apontaram para a quantidade provável de água no ambiente de formação rochosa. Diferentes proporções de diferentes íons desses elementos forneceram importantes pistas para o processo e cenário de formação do fragmento.
(1) Quer entender como funciona a datação radioativa? Acesse: Como calcular a idade da Terra?
Os resultados das análises indicaram que a rocha de origem do fragmento se formou em um ambiente rico em água ou em um fluído rico em ferro, e a temperaturas e pressões correspondendo a ~19 km abaixo da superfície terrestre. Ambas as características indicam uma formação terrestre. O magma lunar é normalmente considerado de ser relativamente seco e reduzido em comparação com o magma terrestre. Outra forte evidência de que o fragmento teve origem terrestre: para alcançar a mesma pressão na Lua, a rocha-mãe deveria ter sido formada a uma profundidade de ~167 km, muito abaixo da crosta lunar, camada limite esta onde felsitos se cristalizam no nosso satélite natural; essa grande profundidade também significa que nem mesmo um gigantesco impacto de um asteroide seria suficiente para escavar o fragmento de lá. O famoso impacto de Mare Imbrium ocorrido há bilhões de anos, o qual deixou uma enorme cratera na Lua englobando o local onde o fragmento repousava, ejetaria material no máximo 30-70 km abaixo da superfície Lunar. Já na Terra, 19 km fica no meio da crosta, onde o felsito poderia se formar a 4,01 Ga e sob condições oxidantes, de baixa temperatura, e em meio a bastante fluído, características comuns do magma terrestre.
Nesse sentido, para explicar outras características aparentemente 'lunares' do fragmento - introdução de ferro metálico, mistura de derretimento de impacto e re-derretimento parcial, profunda perda de elementos voláteis e introdução de Pb altamente radiogênico dentro dos grãos de K-feldspato - bastaria considerar o efeito combinado dos dois eventos de impacto sobre esse pedaço de rocha: um grande asteroide aqui na Terra apenas para lançá-lo à Lua, e a Mare Imbrium para parcialmente reprocessá-lo física e quimicamente, até ser incorporado na brecha de calcário.
Existe a possibilidade também do fragmento ter se originado na Lua, mas as condições necessárias seriam muito mais complicadas de serem atendidas.
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Considerando a origem terrestre do fragmento, isso ajuda a confirmar que durante o Hadeano (4,6-3,85 bilhões de anos atrás), a Terra estava sendo atingida por asteroides grandes o suficiente para ejetar rochas até a Lua. Aliás, é estimado que 10^7-10^8 kg/km3 de material terrestre tenha sido ejetado para a superfície lunar na forma de meteoritos terrestres. Também confirma que rochas graníticas constituintes dos continentes terrestres já estavam se formando pouco tempo depois da formação da Terra há cerca de 4,5 bilhões de anos.
Apesar dos geólogos já terem encontrado meteoritos na Terra que vieram da Lua, Marte e de asteroides, essa seria a primeira vez que uma rocha terrestre é encontrada na Lua (um meteorito terrestre).
Lembrando também que o fragmento de rocha em questão não é a relíquia mais antiga da Terra. Cristais de zircônio encontrados no oeste da Austrália já foram datado tão antigos quanto 4,4 bilhões de anos, apenas cerca de 150-200 milhões de anos após a formação do nosso planeta.
Publicação do estudo: ScienceDirect
Referência adicional: Science
Fragmento de rocha lunar coletado pela Apollo 14 parece ser terrestre
Reviewed by Saber Atualizado
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janeiro 30, 2019
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