Houve reversão da perda de gelo na Antártica? Recorte de estudo nas redes sociais esconde o real alerta
 |
| Figura 1. Embarcação Australis navegando pelo gelo marinho na Antártica. |
Muitos perfis e veículos de mídia nas redes sociais, por razões políticas ou sensacionalistas, estão compartilhando o recorte raso de um robusto estudo Chinês publicado recentemente no periódico Science China Earth Sciences (Ref.1), sem maiores explicações nas chamadas ou postagens e, com isso, alimentando movimentos de negacionismo climático.
Pelo contrário, o estudo traz um alerta sobre o avanço do aquecimento global antropogênico.
O estudo em questão analisou as dinâmicas de perda e de ganho de gelo na região da Antártica de 2002 até 2023, através de sistemas de satélites (GRACE e GRACE-FO) que medem o campo gravitacional da Terra - possibilitando o mapeamento de mudanças na distribuição de massa na superfície terrestre.
De 2002 até 2010, o manto de gele Antártico experienciou uma perda de massa de ~ –74 gigatonelada/ano (Gt/ano), e essa taxa de perda quase dobrou no período de 2011 até 2020 (~ -142 Gt/ano).
Essa acelerada e massiva perda de gelo está relacionada à intensificação de degelo na Antártica Ocidental e na região WL-QML na Antártica Oriental.
Então, uma significativa reversão ocorreu no período de 2021 até 2023, com ganho de massa de gelo a uma taxa de ~108 Gt/ano (Fig.2). Isso ocorreu devido a um anômalo acúmulo de precipitação (chuva virando gelo) na região.
 |
| Figura 2. Dinâmica de perda e ganho de gelo na Antártica. Ref.1 |
E anomalias são uma assinatura das mudanças climáticas (causadas pelo aquecimento global antropogênico, que é uma tendência média de aumento da temperatura superficial global).
No quadro geral, temos um padrão bem claro de grande perda de gelo nas últimas décadas (Fig.2). Em ciência climática, não podemos fazer o recorte de um curto período temporal e ignorar o resto.
Esses resultados também corroboram dados liberados pela NASA em 2024 (Ref.2) referentes ao período de 2002-2023, usando o GRACE/GRACE-FO. O destaque importante: perda de gelo de ~150 Gt/ano no período de análise e consequente aumento do nível dos mares a uma taxa de 0,4 mm/ano.
 |
| Figura 3. Gráfico baseado na análise de 2024 da NASA com o auxílio dos sistemas GRACE e GRACE-FO, também concordando com os dados no estudo Chinês, e realçando o alerta. Ref.2 |
E o estudo Chinês realçou um achado preocupante: perda de gelo muito intensificada nas bacias glaciais de Totten, Moscow, Denman e Baía de Vincennes, na Antártica Oriental, potencialmente comprometendo a estabilidade da região.
A desintegração completa dessas quatro geleiras pode potencialmente engatilhado um aumento global do nível dos mares superior a 7 metros!
> O manto de gelo da Antártida é um significativo contribuidor para o aumento global do nível dos mares e, ao mesmo tempo, um importante regulador climático ao refletir radiação solar incidente sobre a superfície branca de gelo. Essa geleira continental cobre 98% do continente antártico.
> Um estudo publicado na Science (Ref.3) estimou que 76% da massa glacial (das geleiras) do planeta pode ser perdida até o final deste século sob as atuais políticas climáticas e emissões de gases estufas, esperados de resultar em um aquecimento acumulado de +2.7°C em relação ao período pré-industrial. E mesmo se as temperaturas se estabilizarem nas atuais condições, é esperado uma perda global de ~39% da massa glacial nesse mesmo período em relação ao ano de 2020.
Leitura recomendada:
REFERÊNCIAS
- Wang et al. (2025). Spatiotemporal mass change rate analysis from 2002 to 2023 over the Antarctic Ice Sheet and four glacier basins in Wilkes-Queen Mary Land. Science China Earth Sciences 68, 1086–1099. https://doi.org/10.1007/s11430-024-1517-1
- https://svs.gsfc.nasa.gov/31158/
- Zekollari et al. (2025). Glacier preservation doubled by limiting warming to 1.5°C versus 2.7°C. Science, Vol.388, No. 6750. https://doi.org/10.1126/science.adu4675
Reviewed by Saber Atualizado
on
junho 01, 2025
Rating:
