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Como humanos e outros primatas hominoides perderam a cauda durante a evolução? Estudo trouxe uma resposta

Figura 1. Chimpanzé comum (Pan troglodytes).
 

A perda da cauda está entre as mudanças anatômica mais notáveis que ocorreram ao longo da linhagem evolucionária levando aos humanos e aos primatas hominídeos, com um papel proposto de contribuir para o bipedalismo humano. Porém, os mecanismos genéticos que levaram ou facilitaram a perda de causa na evolução dos hominídeos e ancestrais próximos têm sido pouco esclarecidos. Agora, em um robusto estudo genômico publicado na Nature (Ref.1), pesquisadores identificaram uma mudança genética compartilhada por humanos e outros hominídeos que parece ter contribuído de forma crucial para a perda de cauda nos nossos ancestrais, há cerca de 25 milhões de anos. Em testes in vivo com múltiplas linhagens de ratos geneticamente modificados, roedores carregando alteração genética similar no genoma também mostraram exibir caudas curtas ou ausentes. Além disso, os pesquisadores encontraram evidência de que a evolução da perda de cauda contribuiu para uma maior prevalência em humanos de uma condição conhecida como espinha bífida.


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O apêndice caudal varia amplamente em sua morfologia e função ao longo das espécies de vertebrados. Para primatas em particular, a cauda é adaptada para uma gama de ambientes, com implicações para o estilo de locomoção do animal. Por exemplo, os bugios (primatas do novo mundo do gênero Alouatta) evoluíram uma cauda preênsil que ajuda a agarrar ou segurar objetos enquanto ocupam habitats arborícolas. Hominoides - incluindo humanos e outros hominídeos ainda vivos como chimpanzés, gorilas e orangotangos -, no entanto, perderam a cauda externa durante o percurso evolucionário (Fig.2). A perda da cauda é inferida de ter ocorrido há cerca de 25 milhões de anos quando a linhagem hominoide divergiu de macacos do Velho Mundo, deixando como vestígio evolucionário apenas 3-5 vértebras caudais formando o cóccix nos humanos modernos (Homo sapiens). Uma hipótese sugere que a perda da cauda nos hominoides contribuiu para a locomoção ortógrada e bípede.

Figura 2. Fenótipos de cauda ao longo da árvore filogenética dos primatas (Ma = milhões de anos atrás). É ainda incerto se a perda da cauda nos primatas hominoides foi dirigida pela evolução da bipedalidade, especialmente considerando que os primeiros hominídeos [evidências fósseis] se moviam sobre quatro membros como macacos arborícolas e que a bipedalidade emergiu milhões de anos mais tarde. Além disso, hominídeos não são os únicos primatas atualmente sem cauda: lóris (Lorinae), mandril (Mandrillus) e alguns macacos (Macaca) também não possuem cauda, apontando que esse fenótipo evoluiu múltiplas vezes e por razões distintas. Ref.1

 Para mais informações:


Avanços no campo da genética e construção de bancos de dados genômicos cada vez mais robustos e completos têm permitido análises comparativas entre espécies diversas de seres vivos no sentido de apontar diferenças genéticas e caminhos moleculares envolvidos em processos evolutivos que ocorreram ao longo de milhões ou mesmo bilhões de anos. No caso da perda ou redução da cauda entre mamíferos, esse fenótipo têm sido ligado a mais de 100 genes identificados a partir de mutações naturais e mutagênese induzida em laboratório. Expressão desses genes, incluindo os fatores centrais indutores de mesoderma e endoderma definitivo como o TBXT (também chamado de T ou Brachyury), Wnt3a e Msg1, está enriquecida no desenvolvimento da parte posterior do corpo. Apesar de perturbação desses genes levarem ao encurtamento ou completa ausência de cauda, as mudanças genéticas causais que levaram à evolução da perda de cauda nos hominoides permanecem desconhecidas.


Em particular, o gene TBXT é famoso pelo seu papel no desenvolvimento de cauda. Em 1927, a cientista Ucraniana Nadine Dobrovolskaya-Zavadskaya descreveu uma linhagem de ratos de cauda curta que aparentemente carregavam uma mutação no gene T, equivalente ao gene humano TBXT.


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No novo estudo, os pesquisadores primeiro buscaram identificar variantes genéticas associadas com a perda da cauda em hominoides e ausentes em linhagens de primatas com cauda. Entre variantes não-codificantes associadas com genes ligados ao desenvolvimento de cauda, um elemento Alu (!) de grande interesse foi identificado no sexto íntron do gene hominoide TBXT. Esse elemento - pertencente à subfamília AluY - tinha as seguintes combinações notáveis de características:


- distribuição filogenética hominoide-específica;


- presença em um gene conhecido por seu envolvimento na formação de cauda;


- proximidade e orientação relativa ao elemento Alu vizinho;


- tempo de inserção - com base em distribuição filogenética - coincidente com o período evolucionário quando antigos hominoides perderam suas caudas.


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(!) Elementos Alu são porções curtas, repetidas e móveis de DNA que compreendem 11% do genoma humano (excesso de 1 milhão de cópias). Abundantes no genoma de primatas, possuem uma ampla influência na expressão de genes. Ref.3

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O gene TBXT codifica um fator de transcrição altamente conservado e crucial para a formação do mesoderma e endoderma definitivo durante o desenvolvimento embrionário. Mutações heterozigóticas nas regiões codificantes de ortólogos [genes de espécies diferentes com um ancestral comum e funções similares] do TBXT em animais com cauda, como camundongos, gatos Manx, cães e peixes-zebras causam ausência ou redução da cauda, enquanto mutações homozigóticas são tipicamente não-viáveis.


Com a ajuda de experimentos in vitro, os pesquisadores mostraram que a inserção AluY identificada interage com outro elemento Alu (AluSx1) para produzir uma proteína modificada e reduzida - chamada de TBXT(Δexon6) - após a transcrição do gene TBXT em RNA mensageiro (os dois elementos Alu formam uma espécie de "laço" nas sequências codificantes do gene, escondendo parte da informação genética a ser transcrita e, consequentemente, produzindo uma isoforma proteica). Nesse ponto, eles propuseram que essa proteína causa disrupção no processo de alongamento da cauda durante o desenvolvimento embrionário, contribuindo para a redução ou perda da cauda externa.


Para demonstrar esse efeito proposto, os pesquisadores produziram várias linhagens de ratos geneticamente modificados, buscando simular os efeitos da inserção do par AluY-AluSx1 observados no genoma humano. Roedores com uma inserção parecida no gene TBXT, produzindo interferência similar na codificação proteica desse gene, de fato nasciam com caudas curtas ou completamente ausentes (Fig.3).


Figura 3. Ratos geneticamente modificados com diferentes inserções de elementos no gene TBXT comparados com uma linhagem selvagem com cauda normal (TBXT+/+). As inserções produziam ratos com caudas reduzidas ou ausentes. (M = macho, F = fêmea). Ref.1


Os pesquisadores também mostraram que ratos geneticamente modificados homozigóticos para a proteína TBXT(Δexon6) falhavam em vingar ou desenvolviam malformações na medula espinhal que consequentemente levavam à morte no nascimento. Notavelmente, essas mortes neonatais exibiam defeitos de fechamento do tubo neural similares à condição conhecida como espinha bífida em humanos. E não apenas as linhagens homozigóticas: filhotes de ratos que morriam após o nascimento que eram heterozigóticos para a proteína TBXT(Δexon6) - no caso, uma variante normal e uma variante modificada do gene TBXT no genoma desses roedores - também exibiam defeitos no fechamento do tubo neural. Esses resultados apontam que a expressão da proteína TBXT(Δexon6) induz defeitos nessa estrutura neural.


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> Espinha bífida é uma malformação congênita decorrente de defeito de fechamento do tubo neural (DFTN), que envolve tecidos sobrejacentes à medula espinhal, arco vertebral, músculos dorsais e pele e representa 75% das malformações do tubo neural. O defeito ocorre no primeiro mês de gravidez e engloba uma série de malformações. O não fechamento do tubo neural produz defeitos de graus variáveis, podendo afetar todo o comprimento do tubo neural - e resultando em abertura ao longo da coluna espinha que pode causar danos na medula espinhal e nervos - ou limitar-se a uma pequena área e não causa problemas para o indivíduo afetado. A espinha bífida é classificada em espinha bífida oculta [não-patológica] e espinha bífida cística, sendo as duas formas principais a meningocele e a mielomeningocele. A mais comumente observada e o quadro patológico mais sério é a mielomeningocele, na qual há uma protusão cística contendo tecido nervoso exposto não coberto por pele.


> As causas que levam aos DFTN ainda não são totalmente entendidas e estão associadas à interação de fatores genéticos e ambientais. Ácido fólico insuficiente (deficiência nutricional) durante a gravidez é um fator de risco bem estabelecido para o desenvolvimento de espinha bífida.


> As crianças portadoras de espinha bífida patológica apresentam complicações crônicas que transformam a doença em um sério problema de saúde pública, com repercussão na vida do indivíduo, família e sociedade. As possíveis complicações presentes em recém-nascidos portadores dessa malformação são distúrbios neuromotores, como hidrocefalia, malformação de Arnold Chiari, bexiga neurogênica, intestino neurogênico e paralisia de membros inferiores; e distúrbios ortopédicos, tais como pés tortos congênitos, luxação coxofemural, fraturas, escoliose e distúrbios renais, mormente hidronefrose e refluxo vesicouretral.

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Nesse último ponto, os pesquisadores sugeriram que a perda da cauda e os benefícios desse fenótipo para os hominoides teve como efeito colateral adverso um risco significativamente maior para o desenvolvimento de espinha bífida - afetando a saúde dos humanos modernos até hoje. E, de fato, mutações levando a defeitos no tubo neural e/ou agênese sacral têm sido apontadas em regiões codificantes e não-codificantes do gene TBXT na literatura médica. 


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Somados os achados, os autores do estudo argumentaram que a inserção de um elemento AluY em um íntron do gene TBXT é um plausível e crítico caminho evolucionário responsável pela perda de cauda nos hominoides (Fig.4). Porém, essa mudança genética não parece ter sido a única associada à ausência de cauda nos humanos e outros ancestrais hominídeos: os pesquisadores também encontraram milhares de mudanças genéticas únicas aos hominídeos que podem ter atuado em parte na perda definitiva da cauda. Esclarecimento também é necessário para a evolução convergente de perda de cauda em primatas fora da família Hominidae, algo que pode potencialmente jogar luz em outros mecanismos moleculares ainda obscuros associados à ausência de cauda nos humanos.


Figura 4. Esquema proposto para a evolução da perda de cauda nos hominoides. Inserção do elemento AluY no gene TBXT produzindo indivíduos com diferentes fenótipos de cauda reduzida ou ausente e, subsequentemente, mutações adicionais e selecionadas fixando o fenótipo de cauda ausente. Ref.1


REFERÊNCIAS

  1. Xia et al. (2024). On the genetic basis of tail-loss evolution in humans and apes. Nature 626, 1042–1048. https://doi.org/10.1038/s41586-024-07095-8
  2. https://www.nature.com/articles/d41586-024-00610-x
  3. https://genomebiology.biomedcentral.com/articles/10.1186/gb-2011-12-12-236
  4. Gaiva et al. (2009). O cuidado da criança com espinha bífida pela família no domicílio. Escola Anna Nery, 13(4). https://doi.org/10.1590/S1414-81452009000400005
  5. https://www.cdc.gov/ncbddd/spinabifida/facts.html
  6. https://www.ninds.nih.gov/health-information/disorders/spina-bifida
  7. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK559265/

Como humanos e outros primatas hominoides perderam a cauda durante a evolução? Estudo trouxe uma resposta Como humanos e outros primatas hominoides perderam a cauda durante a evolução? Estudo trouxe uma resposta Reviewed by Saber Atualizado on março 02, 2024 Rating: 5

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