Potencial detecção de assinatura de vida em um planeta na constelação de Leão
![]() |
Figura 1. Concepção artística do planeta K2-18b, orbitando uma anã vermelha. |
- Atualizado no dia 17 de abril de 2023 -
Em 2019, observações do Telescópio Espacial Hubble - que opera primariamente no espectro do visível - detectaram pela primeira vez vapor de água na atmosfera de um exoplaneta [fora do Sistema Solar] orbitando uma zona habitável ao redor de um estrela anã vermelha (Ref.1). O planeta em questão, K2-18b, está distante 120 anos-luz da Terra, na constelação de Leão (1), e a presença de água atmosférica indicava possíveis nuvens, chuvas e oceanos. Aliás, o K2-18b está a uma distância da sua estrela que permite a presença de água líquida, e possui um tamanho maior do que a Terra mas menor do que Netuno. A massa desse planeta é 8,6 vezes maior do que a massa terrestre.
(1) Leitura recomendada: A NASA mudou o Zodíaco?
Observações subsequentes explorando em uma ampla faixa do infravermelho feitas através do Telescópio Espacial James Webb revelaram a presença de moléculas orgânicas na atmosfera de K2-18b, especificamente dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4). A abundância dessas duas moléculas, e a escassez de amônia (NH3), suportam a hipótese de que existe um oceano de água líquida sob uma atmosfera fria e rica em hidrogênio molecular (H2) no planeta (Ref.2). E mais: os pesquisadores encontraram possível presença de sulfeto de dimetila (DMS) na atmosfera, uma potencial assinatura de vida. Esses achados foram reportados em 2023 (Ref.2)
Na Terra, DMS é produzido naturalmente somente por vida. A maior parte dessa molécula na atmosfera terrestre é emitida a partir de fitoplâncton nos ambientes marinhos.
As observações e análises de 2023 foram feitas a partir de espectros de transmissão no infravermelho próximo (faixa de 0,9-5,2 µm) obtidos pelas câmeras NIRISS e NIRSpc do James Webb (2). No caso, picos de absorção da luz emitida pela anã vermelha atravessando a atmosfera do K2-18b, durante trânsito desse último em frente à estrela. Enquanto que os sinais associados ao CO2 e CH4 são bem claros, a inferência de DMS foi bem menos robusta, impossibilitando esclarecer se existe significativo nível dessa molécula na atmosfera do planeta - e potencial atividade biológica extraterrestre. Além do DMS, a presença de vida no K2-18b pode também explicar a grande quantidade relativa de CH4 na atmosfera do planeta (ex.: organismos produtores de metano equivalentes a bactérias metanogênicas nos oceanos terrestres).
Observações mais recentes com o James Webb através do Instrumento de Infravermelho-Médio (MIRI), explorando a faixa de 6-12 micrômetros (μm), revelaram um sinal mais forte e claro da existência de DMS e/ou de dissulfeto de dimetila (DMDS) na atmosfera do K2-18b (Fig.4). O DMDS é outra potencial bioassinatura. No planeta em questão parece existir grande abundância atmosférica de DMS e/ou DMDS, a concentrações acima de 10 partes por milhão (ppm); na atmosfera da Terra, esses gases estão a concentrações milhares de vezes menores: abaixo de 1 parte por bilhão (ppb). Isso sugere talvez maior atividade biológica em K2-18b do que na Terra.
![]() |
Figura 4. Espectro de transmissão no infravermelho médio da atmosfera do K2-18b obtido com o instrumento MIRI LRS do James Webb, onde detecções de DMS e/ou DMDS foram apontadas. |
As novas observações - reportadas e detalhadas em um estudo publicado no periódico Astrophysical Journal Letters (Ref.5) - alcançaram um nível "3 sigma (σ)" de significância: existe 0,3% de probabilidade que ocorreram por acaso. Para alcançar a classificação aceita para descoberta científica (comprovação), a observação teria que ultrapassar o limite de 5σ: abaixo de 0,00006% de probabilidade de ocorrer por acaso.
"Trabalho teórico prévio prevê que altos níveis de gases baseados em enxofre como DMS e DMDS apontam possíveis mundos Hiceanos," disse em entrevista o professor Nikku Madhusudhan, do Instituto de Astronomia de Cambridge e autor principal do estudo mais recente (Ref.6). "Dado tudo o que sabemos agora sobre esse planeta, um mundo Hiceano com um oceano repleto de vida é o cenário que melhor se encaixa com os dados que temos."
Mais dados coletados pelo James Webb serão necessários para aumentar a robustez do achado e resolver se apenas um ou ambos os gases de enxofre (DMS e DMDS) estão presentes na atmosfera do K2-18 b.
----------
Mundo Hiceano: um planeta com oceano de água líquida e com uma atmosfera rica em gás hidrogênio (H2).
----------
É válido apontar que enquanto o K2-18b está orbitando uma zona habitável e carrega moléculas orgânicas na sua atmosfera, isso não significa necessariamente que esse planeta possa suportar vida. O grande tamanho do planeta - com um raio 2,6 vezes maior do que o raio da Terra - significa que seu interior provavelmente contém um grande manto de gelo sob alta pressão, como Netuno, mas com uma atmosfera mais fina rica em hidrogênio e com uma superfície oceânica. Esse tipo de mundo é predito de ter oceanos de água, mas é possível que tais oceanos possam ser muito quentes para abrigar vida - apesar da temperatura de equilíbrio no K2-18b ser de ~250-300 K (até ~27°C). Na verdade, planetas sub-Netunianos como o K2-18b ainda são pouco entendidos, e bem distintos dos mundos constituintes do Sistema Solar. Por fim, devido ao alto nível de atividade da anã vermelha, o K2-18b pode ser mais hostil à vida como a conhecemos aqui na Terra, e provavelmente está exposto a mais radiação de alto nível energético.
De fato, ainda existe ceticismo quanto à existência de água líquida no planeta ou mesmo de uma superfície onde organismos são capazes de sobreviver. Alguns cientistas defendem o cenário de um "Netuno miniaturizado sem vida" como mais provável (Ref.7). E existe evidência recente de um oceano de magma cobrindo um grande núcleo rochoso em planetas sub-Netunianos, em contraponto com o hipotético 'mundo Hiciano' (Ref.8). Além disso, alguns especialistas estão realçando que existe muito ruído nos dados do espectro de transmissão, favorecendo falsos positivos para DMS/DMDS na forma de flutuações estatísticas ou sinais artificiais inerentes aos instrumentos.
Por fim, é importante também lembrar que processos químicos desconhecidos ou exóticos podem estar ocorrendo no planeta K2-18b, produzindo DMS e DMDS de forma abiótica. E existe relevante suspeita da existência de DMS no gás e na poeira do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, o qual, definitivamente, não possui vida (Ref.9). Experimentos laboratoriais mais complexos, compreensivos e de simulação planetária são necessários para melhor esclarecer esse ponto.
-----------
CURIOSIDADE: Nas altas nuvens de Vênus, existe suspeita de atividade biótica, talvez trazida da Terra em missões espaciais. Essa suspeita é suportada pela detecção de fosfina na atmosfera Venusiana. Entenda: Potencial sinal de vida encontrado em Vênus
(2) Para mais informações sobre o funcionamento do James Webb: Primeira imagem histórica do Telescópio Espacial James Webb é finalmente liberada
------------
REFERÊNCIAS
- https://hubblesite.org/contents/news-releases/2019/news-2019-50
- https://www.nasa.gov/goddard/2023/webb-discovers-methane-carbon-dioxide-in-atmosphere-of-k2-18b
- https://www.bbc.com/news/science-environment-66786611
- https://arxiv.org/abs/2309.05566
- Madhusudhan et al. (2025). New Constraints on DMS and DMDS in the Atmosphere of K2-18 b from JWST MIRI. The Astrophysical Journal Letters, Volume 983, Number 2. https://doi.org/10.3847/2041-8213/adc1c8
- https://www.cam.ac.uk/stories/strongest-hints-of-biological-activity
- https://www.nature.com/articles/d41586-025-01264-z
- https://www.science.org/content/article/alien-planet-s-atmosphere-bears-chemical-hints-life-astronomers-claim
- https://meetingorganizer.copernicus.org/EGU24/EGU24-16695.html
- https://www.scientificamerican.com/article/why-astronomers-doubt-claims-that-planet-k2-18-b-finding-means-alien-life/
