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Fungos são organismos hipotérmicos, aponta estudo

Figura 1. Imagem térmica de um cogumelo da espécie Pleurotus eryngii realçando o quão mais frio é o interior desse fungo em relação ao ambiente ao redor.


Em contraste com animais e plantas, a temperatura normal e mecanismos termorregulatórios dos fungos não têm sido bem esclarecidos. Cogumelos são anedoticamente observados de manterem uma temperatura interna inferior à temperatura ambiente, mas sendo incerto se isso é uma regra nesse grupo de organismos e se tal característica se estende a outros fungos. Em um estudo recentemente publicado no periódico PNAS (Ref.1), pesquisadores usaram imagens de infravermelho e encontraram que não apenas cogumelos, mas leveduras e mofos mantêm temperaturas corporais inferiores àquelas do ambiente ao redor, em torno de ~2,5°C mais frios. Os pesquisadores também mostraram que esses fungos - desde cogumelos até colônias unicelulares fúngicas - alcançam hipotermia através de processos evaporativos. Os achados sugerem que a hipotermia é uma característica geral do Reino Fungi; esses organismos buscam manter uma temperatura significativamente mais baixa que o ambiente onde habitam.


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Temperatura controla o crescimento, reprodução e dispersão de todas as formas de vida. A temperatura de um organismo depende do balanço entre ganho e dissipação de calor à medida que interagem com o ambiente. Em teoria, se o organismo ganha mais energia térmica do que dissipa, esse se torna mais quente. Se mais energia térmica é perdida, o organismo pode alcançar temperaturas menores do que o ambiente ao redor. 


Nesse sentido, os organismos podem ser classificados com base na capacidade de manter a temperatura corporal relativa ao ambiente. Organismos endotérmicos ("sangue quente"), como aves e mamíferos, podem manter temperaturas internas relativamente constantes que variam de 36 até 40°C, independentemente de quaisquer flutuações na temperatura externa. A maioria das formas de vida, no entanto, são ectotérmicas ("sangue frio") porque as temperaturas internas flutuam com base nas temperaturas externas. Grande parte da energia alimentando o metabolismo dos ectodérmicos é oriunda diretamente do ambiente (diferença térmica), capturando calor a partir de energia radiativa absorvida por pigmentos como melanina.


Plantas respondem por ~80% da biomassa terrestre e são organismos poiquilotérmicos, ou seja, também possuem temperatura interna dependente da temperatura ambiente. As plantas são encontradas frequentemente em ambientes sujeitos a dramáticas variações de temperatura e, diferente dos animais ectodérmicos, não podem se deslocar para ambientes térmicos mais favoráveis quando necessário. 


Para prevenir superaquecimento, plantas e animais usam a evaporação da água para dispersar calor, na forma de transpiração ou evapotranspiração. A evaporação da água é um processo endotérmico que consome energia térmica corporal para quebrar as ligações de hidrogênio quando a água passa do estado líquido para o estado gasoso, levando o calor do corpo para o ar ambiente. Estruturas celulares como glândulas de suor de animais e estomas de plantas regulam o processo de transpiração. Dependendo das condições térmicas ambientais, folhas podem dissipar calor via resfriamento evaporativo e se tornam mais frias do que a temperatura do ar. 


Fungos, protistas, Archaea e comunidades bacterianas são tipicamente assumidos de serem ectotérmicos, considerando o pequeno tamanho, alta superfície de contato e fisiologia mais simples. No entanto, a temperatura de comunidades microbianas e os mecanismos de troca de calor com o ambiente ao redor têm sido pouco explorados.


Na história geológica do planeta, os fungos foram pioneiros na colonização do ambiente terrestre [fora do ambiente aquático] e hoje atuam de forma crítica no balanço ecológico da Terra ao decompor matéria biológica diversa e fornecer nutrientes para novos crescimentos. Organismos fúngicos podem sobreviver quase em qualquer lugar e existem desde formas microscópicas até formas macroscópicas como cogumelos, leveduras e comunidades de mofo (1). O Reino Fungi também inclui espécies que são patogênicas a animais e plantas, causando vários problemas de saúde e prejuízos na agricultura, mas também são fontes de vários produtos benéficos para a humanidade, como antibióticos, relações simbióticas com raízes e fermentação.  


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(1) Aliás, um espécime fúngico representa um dos maiores organismos ainda vivos do planeta. Fica a sugestão de leitura: Pando e Humongous Fungus: os dois maiores organismos vivos da Terra 

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Cogumelos, a estrutura reprodutiva do micélio fúngico, são geralmente formados por um caule ou talo e um chapéu ou píleo. Píleos são frequentemente convexos mas podem também tomar outras formas durante o desenvolvimento e entre espécies. A área abaixo do píleo, o himênio, consiste de giletes laminados ou superfícies porosas carregando esporos. A constituição lamelar do himênio pode aumentar a área superficial dos cogumelos em 20 vezes. A organização estrutural do himênio é importante para a produção e liberação de esporos.


Voltando à questão da temperatura corporal, o píleo de cogumelos tem sido notado de ser frio em relação ao ambiente externo - diferença térmica de até vários graus Celsius - e alguns estudos investigando a questão têm sugerido que esse resfriamento é mediado por evaporação de água.


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No novo estudo, os pesquisadores resolveram investigar mais detalhadamente e de forma compreensiva a dinâmica térmica de fungos diversos cultivados em laboratório, em especial através de análises via termografia de infravermelho. Eles encontraram que cogumelos, leveduras e mofos mantêm consistentemente temperaturas inferiores àquelas do ambiente ao redor. Imagem térmica de 21 espécies selvagens de cogumelos revelaram que cada uma delas eram mais frias do que o ambiente natural (Fig.2). A temperatura de talos registradas para alguns espécimes selvagens foram similares àquela do píleo, e a característica hipotermia dos cogumelos foi observada em todo o processo frutívoro e ao nível do micélio. Colônias de leveduras e biofilmes de mofo dos táxons Candida spp., Cladosporium spp., Penicillium spp. e Rhodotorula mucilagenosa também mostraram exibir temperaturas mais baixas do que o ambiente ao redor seguindo 1 hora de incubação a 45°C em ágar (Fig.3). 


Figura 2. Exemplos de termografias de cogumelos selvagens no habitat natural: (aAmanita spp., (bPleurotus ostreatus, (cPycnoporus spp., (dAmanita muscaria (eAmanita brunnescens, (fRussula sppRef.2


Figura 3. Exemplos de termografias de leveduras e mofo: (g) levedo Candida spp., (h) mofo Cladosporium sphaerospermum (colônia escura), (i) mofo Penicillium spp., e (j) levedo Rhodotorula mucilaginosaRef.2 

A diferença média de temperatura observada entre o fungo e seus arredores foi de ~2,5°C e variou de ~0,5°C até 5,0°C, dependendo do espécime analisado. Os cogumelos das espécies P. ostreatus e Cerrena unicolor exibiram as maiores diferenças de temperatura: ~5°C mais frios do que a temperatura ambiente. 


Experimentos subsequentes revelaram que o processo de resfriamento dos fungos - leveduras, mofo e cogumelos - era mediado por evaporação de grande quantidade de água. Aliás, os pesquisadores inclusive construíram um dispositivo natural de "ar-condicionado" baseado em cogumelos da espécie A. bisporus (MycoCooler™) capaz de resfriar um sistema semi-fechado em 10°C (~0,4°C/minuto) - e ao mesmo tempo aumentando a umidade relativa de <10% para ~45%. Os pesquisadores estimaram que ~420 gramas de píleos de A. bisporus possuem uma capacidade de resfriamento de aproximadamente 20 Watts. A mudança na temperatura do ar do MycoCooler™ foi proporcional à mudança na umidade, confirmando o resfriamento evaporativo como o mecanismo de hipotermia dos cogumelos.


Somados, os achados do estudo e evidências acumuladas de estudos prévios sugerem que hipotermia é uma propriedade geral dos fungos. Ou seja, esses organismos são hipotérmicos, e não ectotérmicos como comumente assumido. A hipotermia fúngica implica também que a perda de calor nesses organismos é muito maior que a produção de calor via metabolismo. Mas qual é a vantagem biológica dessa hipotermia? 


É proposto que as baixas temperaturas relativas nos fungos sejam importantes para a liberação de esporos, essa a qual é engatilhada pela massa e transferência de momento de gotas fluídicas sobre a superfície dos esporos. Essas gotas ("gotas de Buller") são formadas pela condensação de água a partir do ar úmido, e uma superfície mais fria nos cogumelos pode facilitar esse processo. Além disso, temperaturas mais baixas podem ter um papel mais fundamental na esporogênese fúngica, similar ao que ocorre na espermatogênese de mamíferos com testículos descidos (2). A hipotermia fúngica pode representar uma vantagem biológica relacionada à fidelidade de recombinação do DNA.


(2) Leitura recomendada: Por que temos um saco escrotal e testículos externos?


Considerando que os fungos vivem nos solos e respondem por 2% da biomassa da Terra, que fungos são 2-4°C mas frios do que o ambiente no qual habitam, que a temperatura superficial média terrestre é de ~14°C, e assumindo linearidade no aquecimento e resfriamento, os autores do novo estudo estimaram também que, sem os fungos, o planeta seria 0,25-0,5% mais quente.


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> Outra evidência da natureza hipotérmica dos fungos é a barreira endotérmica imposta por aves e mamíferos que dificulta a infecção sistêmica de fungos. Para mais informações: Aquecimento global pode causar um apocalipse de fungos patogênicos, alertam cientistas 

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REFERÊNCIAS

  1. Cordero et al. (2023). The hypothermic nature of fungi. PNAS, 120 (19) e2221996120. https://doi.org/10.1073/pnas.2221996120
  2. https://www.biorxiv.org/content/biorxiv/early/2020/05/09/2020.05.09.085969.full.pdf

Fungos são organismos hipotérmicos, aponta estudo Fungos são organismos hipotérmicos, aponta estudo Reviewed by Saber Atualizado on agosto 13, 2023 Rating: 5

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