Ameaçado de extinção, o maior e mais raro papagaio do mundo teve seu genoma completo sequenciado
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Figura 1. Kãkãpõs continuam seriamente ameaçados de extinção, com uma população atual de apenas 247 indivíduos. |
O kãkãpõ é uma ave noturna, sem habilidade de voo, endêmica da Nova Zelândia e que está criticamente ameaçada de extinção. Desde que colonizadores europeus e outros mamíferos invasivos alcançaram o arquipélago [Nova Zelândia], a população dessas aves desabou, quase sendo extinta. Esforços de conservação ao longo das últimas décadas conseguiram recuperar modestamente a população, com o número alcançando um pico de 252 em agosto de 2022. Agora, um time internacional de cientistas conseguiu sequenciar o genoma de quase toda a população de kãkãpõs que existia em 2018 (169 indivíduos), produzindo um genoma de referência de alta qualidade. O sequenciamento genômico amplo, publicado no periódico Nature Ecology & Evolution (Ref.1), trouxe cruciais informações que podem ajudar a acelerar a recuperação populacional da espécie.
"kãkãpõs sofrem de doenças e baixas taxas reprodutivas, portanto o entendimento das razões genéticas para esses problemas pode nos ajudar a mitigá-los," disse em entrevista o Dr. Andrew Digby, um dos principais líderes dos esforços de conservação desses papagaios na Nova Zelândia e um dos autores do novo estudo detalhando o sequenciamento genético (Ref.2). "Isso nos dá a habilidade de predizer coisas como crescimento e suscetibilidade a doenças dos kãkãpõs, algo que melhor orienta nossas ações de conservação e irá ajudar a melhorar as taxas de sobrevivência."
O kãkãpõ (Strigops habroptilus) - também conhecido como caçapo - é o maior papagaio do mundo (Ref.2). Endêmico da Nova Zelândia, possui um estranho espectro de características relativo a outros papagaios - dos quais o kãkãpõ divergiu há cerca de 82 milhões de anos, à medida que o arquipélago se separou do supercontinente Gondwana (Ref.3). Além de não serem capazes de voar, exalarem um forte cheiro e possuírem uma cara chata (similar a corujas), essa espécie dorme durante o período diurno e sai para coletar alimento à noite. Com uma massa corporal de até 2,5 kg, o kãkãpõ se movimenta de forma desajeitada e relativamente lenta pelo solo, se alimentando de folhas, frutas, sementes, caule e raízes de arbustos.
Infelizmente, assim como ocorre com a maioria das espécies nativas e vulneráveis da Nova Zelândia incapazes de voar, o kãkãpõ hoje só é encontrado em cinco ilhas menores do arquipélago altamente controladas e protegidas, livres de predadores (Ref.4). Como fazem os ninhos no chão e se movimentam no solo, os kãkãpõs e seus filhotes são presas fáceis para espécies exóticas introduzidas na Nova Zelândia com a chegada dos Europeus, como cães, gatos e ratos carnívoros (!). Nesse sentido, os kãkãpõs estão criticamente ameaçados de extinção, mas vários programas de conservação estão conseguindo aumentar aos poucos a população da espécie.
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Figura 3. Recentemente foi reportada a morte do kãkãpõ Xenicus, um indivíduo juvenil de 1,5 anos de idade. O espécime foi encontrado morto na Ilha de Anchor, aparentemente atingido por uma árvore que caiu. Existem agora, oficialmente, 247 kãkãpõs vivos. Ref.: Twitter |
O kãkãpõ é considerado uma ave sagrada (taonga, ou tesouro) para os Maoris (povo nativo da Nova Zelândia). Costumava ser uma das mais comuns e disseminadas aves do arquipélago, antes do colapso populacional. Para piorar, se reproduzem apenas a cada 2-5 anos, durante anos de pesada produção de frutos nas árvores da espécie Dacrydium cupressinum (rimu). Outros fatores também parecem contribuir para as baixas taxas de natalidade, como reduzida fertilidade de óvulos e falha embrionária e a pequena população. Por outro lado, essas aves possuem uma longevidade anormalmente longa, com um macho chamado Richard Henry tendo alcançado a idade de ~80 anos. Richard é um dos fundadores da atual população de kãkãpõs na Nova Zelândia.
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(!) Recentemente o governo da Nova Zelândia anunciou um feroz plano de $2,8 milhões para erradicar predadores como gatos, ratos, gambás, etc., da ilha de Rakiura, habitada por 400 pessoas e possuindo um rico ecossistema - ameaçado pelas espécies exóticas (Ref.5).
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O novo sequenciamento genômico reportado foi conduzido pelo Consórcio Kākāpō 125+ e auxiliado por avançadas técnicas analíticas (estado da arte). Entre os vários achados biológicos, os pesquisadores encontraram que a variação genética trazida para a atual população de kākāpōs pelo macho Richard Henry pode ser crucial para o suporte a longo prazo da espécie, incluindo traços genéticos associados a uma maior fertilidade e adaptabilidade. No geral, os dados genômicos acumulados e analisados tornam agora possível monitorar e fomentar mais efetivamente traços importantes de adaptabilidade para os kākāpōs, incluindo a identificação de aves sob maior risco de aspergilose (uma doença infecciosa), inferência de quando indivíduos possuem taxas anormais de crescimento e minimização de cruzamentos entre aves geneticamente similares. Aliás, dados preliminares do sequenciamento amplo já vinham sendo usados com sucesso para orientar ações de conservação em campo (Fig.4).
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Figura 4. Mahli, uma fêmea de kākāpō que foi translocada para a região de Te Kakahu em 2020, uma ação orientada pelo perfil genético do espécime. Ref.1 |
REFERÊNCIAS
- Guhlin et al. (2023). Species-wide genomics of kākāpō provides tools to accelerate recovery. Nature Ecology Evolution. https://doi.org/10.1038/s41559-023-02165-y
- https://www.otago.ac.nz/healthsciences/news/news/otago0247128.html
- https://collections.tepapa.govt.nz/topic/1009
- https://www.cell.com/trends/genetics/fulltext/S0168-9525(22)00065-8
- https://www.aucklandzoo.co.nz/news/kaitiaki-for-kakapo
- https://www.theguardian.com/world/2022/jul/07/new-zealand-to-embark-on-worlds-largest-feral-predator-eradication
