Cápsula vibratória pode revolucionar o tratamento de constipação crônica
Figura 1. Dr. Statish S. C. Rao, segurando uma cápsula vibratória. |
Apesar de avanços terapêuticos, tratamentos efetivos para constipação crônica continuam muito limitados. Agora, em um estudo clínico de Fase III publicado no periódico Gastroenterology (Ref.1), pesquisadores mostraram que uma cápsula vibratória projetada para agitar o cólon e induzir maior motilidade intestinal dobrou a habilidade de adultos enfrentando constipação crônica de defecar mais normalmente e sem uso de medicamentos. O estudo incluiu mais de 300 adultos, e os participantes usando a cápsula vibratória por oito semanas conseguiram ter ~2 vezes mais movimentos intestinais espontâneos do que aqueles ingerindo um placebo.
Constipação é um termo usado para descrever uma variedade de sintomas associados a distúrbios intestinais, incluindo fezes endurecidas, excessivo esforço para evacuação, sensação de bloqueio anorretal, movimentos intestinais infrequentes, inchaço, dor abdominal e uma sensação de evacuação incompleta após a defecação. Constipação pode ser aguda (tipicamente <1 semana de duração) ou crônica, a qual tipicamente dura >4 semanas (tradicionalmente um período superior a 3 meses) (Ref.2).
Mais frequentemente, a constipação crônica é o resultado de um distúrbio primário da função intestinal (constipação crônica primária) devido a fatores alimentares (ex.: consumo insuficiente de fibras) (1), fatores de estilo de vida (ex.: vida sedentária ou limitação de mobilidade) ou uma desordem de propulsão colônica ou de esvaziamento retal. Constipação crônica secundária resulta de tratamentos médicos (ex.: agentes opioides ou anti-hipertensivos), doenças orgânicas - incluindo doenças sistêmicas (ex.: hipotiroidismo ou doença de Parkinson) - ou a partir de patologia local no cólon (ex.: câncer de cólon ou estritura diverticular).
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(1) A fibra alimentar - encontrada em alimentos como cereais, verduras, frutas , sementes e legumes - aumenta o volume fecal por mecanismos que dependem da estrutura de seus componentes e da intrincada relação entre suas propriedades físico-químicas (capacidade de reter água, solubilidade, tamanho das partículas, grau de lignificação, teor de pentoses, etc.) com a população bacteriana do cólon. Os componentes insolúveis da fibra, por resistirem à digestão pela microbiota colônica, são eliminados intactos e mantêm a água retida, gerando grande volume fecal - e contribuindo em maior parte pela ação laxativa das fibras alimentares. Durante o trajeto colônico, este grande volume é um importante estímulo para contrações propulsivas e, em se encurtando o tempo de trânsito, a tendência é uma menor reabsorção de água e fezes mais úmidas.
> Leitura recomendada: Qual a importância das fibras para a microbiota intestinal?
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Constipação crônica primária é comumente associada com anormalidades nos movimentos intestinais ou disfunção da contração coordenada dos músculos do chão pélvico durante a defecação. A atividade motora que suporta motilidade propulsiva na maior parte do trato gastrointestinal é a peristalse, a qual envolve contração e relaxamento coordenados da lâmina muscular intestinal, resultando em um gradiente de pressão que propele o conteúdo luminal através do intestino, incluindo as fezes. Apesar da peristalse ocorrer no cólon (Fig.2), não é o principal mecanismo de propulsão. Ao invés disso, propulsão colônica que leva ao ato de defecar é principalmente alimentada por contrações gerais - movimentos de massa - que ocorrem algumas poucas vezes por dia. Existem outros tipos de propulsão colônica, e o conteúdo no cólon pode inclusive se mover na direção retrógrada - com movimentos colônicos afastando fezes do ânus (ex.: quando o indivíduo segura a defecação).
Em geral, existem três tipos de constipação primária crônica: desordens de evacuação retal, constipação de trânsito lento e constipação de trânsito normal. Desordens de evacuação retal são consequência da inabilidade de coordenar os músculos abdominal e do chão pélvico no esforço de evacuação devido a defeitos estruturais ou funcionais; defecação dissinérgica é um tipo de desordem de evacuação retal consequente de anormalidades funcionais (e não estruturais) dos músculos do chão pélvico e do esfíncter anal envolvidos na evacuação das fezes. Constipação de trânsito lento é consequente do trânsito atrasado das fezes no cólon. O restante dos casos de constipação primária crônica é classificado como constipação de trânsito normal, sem causa estrutural ou bioquímica identificável, e mostra sobreposição com a síndrome do intestino irritável com constipação predominante (IBS-C).
A constipação crônica é uma das mais prevalentes condições gastrointestinais apresentadas nos atendimentos hospitalares. É estimado que, a nível global, 14-16% da população adulta é afetada pela constipação crônica (Fig.3), com uma maior prevalência na população feminina (~75%) - aliás, constipação severa (ex.: apenas dois movimentos intestinais por mês) é reportada quase exclusivamente por mulheres (Ref.1-3).
Figura 3. Prevalência global de constipação crônica. Fonte: American College of Gastroenterology, Ref.2 |
Além de comprometer a qualidade de vida dos afetados, a constipação crônica pode aumentar o risco de diversos problemas de saúde (2). Apesar de avanços em terapias farmacológicas, cerca de metade dos pacientes expressam estar dessatisfeitos com os atuais tratamentos e buscam por alternativas. Além disso, a maioria dos medicamentos hoje prescritos para constipação começam atuando no intestino delgado, situado entre o estômago e o cólon e um principal ponto de digestão e absorção de alimentos. Esses medicamentos aumentam secreções no intestino delgado, inundando o cólon, o que por sua vez ajuda a evacuar o conteúdo colônico. Porém, junto com as fezes, a "inundação" também acaba arrastando excessiva quantidade do microbioma intestinal - situado primariamente no cólon -, crítico para a nossa saúde em geral. Danos ao microbioma são uma grande preocupação da comunidade médica relativa a esses medicamentos.
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(2) É sugerido que prolongado trânsito no cólon pode aumentar o tempo de contato entre potenciais carcinogênicos nas fezes e a mucosa colônica, aumentando o risco de câncer colorretal. Porém, um robusto estudo publicado em 2022 não encontrou significativa associação entre constipação crônica e câncer colorretal (Ref.4).
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Aliás, pessoas que usam regularmente laxantes, um tratamento comum para constipação, podem estar com um risco >50% maior de desenvolver demência em relação a pessoas que não usam esses medicamentos (Ref.5). Embora contra-recomendado por médicos o uso regular de laxantes osmóticos e estimulantes, muitas pessoas usam esses fármacos regularmente. E o risco de demência parece ser particularmente maior em pessoas que usam laxantes osmóticos ou múltiplos tipos de laxantes de forma regular. Suspeita-se de danos cerebrais causados por distúrbios no microbioma intestinal.
No novo estudo, liderado pelo Dr. Satish S.C. Rao, da Universidade de Augusta, EUA, pesquisadores investigaram uma terapia alternativa não-farmacológica para a constipação crônica envolvendo o uso de uma cápsula vibratória. Com ~2,4 cm de comprimento e ~1,1 cm de diâmetro, a cápsula contém componentes eletrônicos e um motor achatado revestidos com um plástico livre de látex, e é ingerida como qualquer comprimido. A cápsula é pré-programada para induzir sessões de duas horas de vibração intermitente 2 vezes ao dia, com uma frequência de 0,05 Hz (3 vezes/minuto). A cápsula estimula o cólon por três segundos seguindo 16 segundos de descanso. Após as duas sessões diárias serem completadas, as cápsulas ficam inativas e passam naturalmente pelo trato gastrointestinal.
"É a primeira vez que esse tipo de tratamento é usado no mundo", disse em entrevista o Dr. Rao (Ref.6). "Primeiro de tudo, é um dispositivo, não é um medicamento. E, em segundo lugar, atua especificamente no cólon, a área alvo, onde excita os músculos na parede do cólon para este fazer o seu trabalho."
O estudo de Fase III, placebo-controlado, randomizado e duplo-cego (alta qualidade), englobou 312 pacientes com constipação crônica (269 deles do sexo feminino), enfrentando o problema há 14 anos na média. Do total, 163 receberam placebo e 145 receberam a cápsula vibratória diariamente, e uma vez ao dia, ao longo de cinco dias por semana e durante um período total de 8 semanas.
Os resultados mostraram que 39% dos participantes usando a cápsula vibratória tiveram um ou mais movimentos intestinais por semana, comparado com 22% no grupo de placebo (usando um pílula muito similar mas sem vibração). Quase 23% daqueles tomando a cápsula ativa tiveram dois ou mais movimentos intestinais espontâneos por semana, comparado com menos de 12% daqueles usando o placebo. Além disso, aqueles usando a cápsula ativa reportaram uma maior melhora em problemas comuns associados com a constipação, como dificuldade de defecação e consistência dura das fezes, e também na qualidade de vida em geral, quando comparado com o grupo de placebo.
Cerca de 11% dos participantes usando as cápsulas vibratórias reportaram experienciar uma "leve sensação de vibração" mas continuaram o uso. No geral, eventos adversos foram leves, e similares entre os dois grupos.
Existe ainda potencial para a cápsula vibratória ser mais eficaz, ao permitir que parâmetros sejam alterados (tempo de vibração, frequência de vibração, etc.) no sentido de atender necessidades individuais. Os pesquisadores também especulam que a cápsula vibratória pode "treinar" o cérebro ao longo do tempo, promovendo mais movimentos intestinais naturais sem o estímulo artificial do dispositivo vibratório. Mais estudos clínicos de longo prazo e envolvendo mais voluntários são necessários agora para elucidar essa questão e investigar a eficácia do dispositivo após um período bem maior de uso (até 1 ano ou mais).
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- Rao et al. (2023). Randomized Placebo-Controlled Phase 3 Trial of Vibrating Capsule for Chronic Constipation. Gastroenterology. https://doi.org/10.1053/j.gastro.2023.02.013
- Camilleri et al. (2017). Chronic constipation. Nature Reviews Disease Primers, 3, 17095. https://doi.org/10.1038/nrdp.2017.95
- Bharucha & Wald (2019). Chronic Constipation. Mayo Clinic Proceedings, Volume 94, Issue 11, Pages 2340-2357. https://doi.org/10.1016/j.mayocp.2019.01.031
- Staller et al. (2022). Chronic Constipation as a Risk Factor for Colorectal Cancer: Results From a Nationwide, Case-Control Study. Clinical Gastroenterology and Hepatology, Volume 20, Issue 8, Pages 1867-1876.e2. https://doi.org/10.1016/j.cgh.2021.10.024
- Yang et al. (2023). Association Between Regular Laxative Use and Incident Dementia in UK Biobank Participants. Neurology. https://doi.org/10.1212/WNL.0000000000207081
- https://jagwire.augusta.edu/vibrating-capsule-doubles-the-ability-for-constipation-sufferers-to-poop-without-drugs/