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Reviravolta ecológica: Vírus também são predados!


Existe um longo e acalorado debate acadêmico sobre se vírus podem ser considerados seres vivos ou não, mas pouca importância têm sido dada a outra importante questão: vírus possuem participação direta em cadeias alimentares? Um interessante estudo publicado no periódico PNAS (Ref.1) e conduzido por pesquisadores da Universidade de Nebraska–Lincoln, encontrou não apenas que pequenos protistas ativamente consomem vírus mas que esses organismos eucariontes também crescem e se dividem quando alimentados apenas com vírus! Além disso, os pesquisadores mostraram que protistas do gênero Halteria (Fig.1) se alimentando de clorovírus exibem dinâmicas e parâmetros de interação similares àqueles de outras interações tróficas microbianas. Os resultados do estudo fortemente sugerem que os vírus atuam nos ecossistemas direcionando energia nas cadeias alimentares, não apenas parasitando e "vazando" recursos celulares e orgânicos.


"Eles [os vírus] estão cheios de excelentes nutrientes: ácidos nucleicos, um monte de nitrogênio e fósforo", disse o autor principal do estudo, Dr. John P. DeLong, em entrevista ao jornal da Universidade de Nebraska–Lincoln (Ref.2). "Tudo [seres vivos] amaria comê-los."


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Vários vírus são conhecidos de causar doenças, e, consequentemente, a virologia (estudo dos vírus) tem focado em analisá-los como patógenos ou agentes infecciosos em relações diversas com organismos vivos de diferentes reinos biológicos (1). Vírus também afetam processos ecossistêmicos, mas através de lise [ruptura] de seres microbianos com subsequente liberação de nutrientes no ambiente (ex.: aminoácidos, proteínas, lipídios, carboidratos, etc.) e através de consequências indiretas provocadas pela morte do hospedeiro. Por exemplo, vírus do gênero Chlorovirus, constituídos de uma cadeira dupla de DNA e pertencentes à família  Phycodnaviridae, são muito comuns em ambientes de água doce, onde infectam algas microscópicas; após intensa multiplicação intracelular e grande acúmulo de partículas virais, as algas infectadas acabam sendo rompidas, liberando compostos orgânicos e outras estruturas celulares para a água ao redor. Esses nutrientes, ao invés de terem ido para o predador natural dessas algas na cadeia alimentar, acabam sendo consumidos por outros organismos diversos, "quebrando" o sentido esperado da cadeia e espalhando energia/recursos que antes eram direcionados.


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(1) Interessante observar que os vírus também constituem parte importante do nosso microbioma. Sugestão de leitura: Quantas bactérias existem no nosso corpo?

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Vários organismos que ingerem água, partículas do solo ou folhas estão rotineiramente ingerindo grande quantidade de partículas virais - e isso inclui humanos e outros animais. Considerando pequena a massa das partículas virais em comparação com outros alimentos, o consumo de vírus é pensado de não possuir importância calórica e nem suficiente magnitude para influenciar os processos ecossistêmicos. Independentemente dessa presunção, as partículas virais contêm aminoácidos, ácidos nucleicos (DNA ou RNA) e lipídios, e, se consumidos em considerável quantidade podem plausivelmente influenciar nas dinâmicas populacionais de espécies que os consomem, contribuindo nas cadeias alimentares como fonte direta de energia. Porém, até o momento, essa hipótese não havia sido ainda testada com rigor científico.


No novo estudo, os pesquisadores investigaram o potencial dos vírus como fonte de energia no fluxo de cadeias alimentares e como suporte de crescimento populacional de protistas (organismos unicelulares eucariontes). Os pesquisadores apelidaram a dieta baseada em vírus de "virovoria". 


Como etapa inicial do estudo, foram coletadas amostras de água em um lago e essas analisadas para identificação dos microrganismos ali presentes. Os microrganismos identificados foram isolados em gotas de água, e estas receberam ou a adição de grande quantidade de clorovírus ou não receberam nenhum tipo de adição. Após 24 horas, os pesquisadores investigaram as gostas por sinal de qualquer espécie sendo favorecida pela "sopa viral", e, de fato, encontraram sinais de crescimento populacional em sistemas contendo vírus do gênero Halteria; observações subsequentes apontaram que a população de clorovírus estava caindo ~100 vezes a cada dois dias, enquanto a população de Halteria estava crescendo 15 vezes mais no mesmo intervalo de tempo (Fig.2). Em gotas de água com Halteria mas sem adição de vírus, nenhum crescimento foi observado.


Fig.2. Dinâmicas predador-presa de protistas Halteria se alimentando de clorovírus. População de Halteria crescendo em abundância (A) à medida que a abundância de clorovírus diminui (B). Linhas coloridas individuais representam diferentes modelos de ajuste das curvas. Cada célula de Halteria possui cerca de 10 mil vezes o tamanho de uma partícula viral de clorovírus. DeLong et al., 2022

Para confirmar que as populações de Halteria estavam de fato consumindo os vírus, os pesquisadores marcaram o DNA de alguns clorovírus com um pigmento fluorescente verde antes de introduzi-los aos protistas. Após introdução, ficou evidente que o vacúolo desses protistas - "equivalente" ao nosso estômago - estava ficando cheio de vírus. Em outras palavras, ficou comprovado que esses ciliados unicelulares estavam sendo nutricionalmente sustentados pelos vírus. Cálculos mostraram que as células de Halteria estavam convertendo cerca de 17% da massa de clorovírus consumidos em nova massa de crescimento celular, quantitativamente similar ao observado em outras relações tróficas no meio aquático (ex.: bactérias → protozoários → crustáceos do zooplâncton). 


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Protistas representam uma grande fração da biomassa viva do planeta, possuindo importante papel nas teias alimentares aquáticas. Porém, atuais modelos de relações tróficas não incluem os vírus como fornecedores diretos de energia, apenas como elementos de dispersão energética. Os resultados do novo estudo fortemente sugerem que esses modelos estão criticamente limitados e precisam ser revisados.


Dada a abundância de partículas virais na água, a abundância de pequenos protistas aquáticos, e a quantidade de água na zona fótica global, o consumo de partículas virais pelos protistas pode representar uma transferência trófica global mais do que significativa. No estudo, os pesquisadores estimaram que cada célula de Halteria no experimento estava comendo de 10 mil até 1 milhão de vírus por dia, sugerindo que 100 trilhões até 10 quadrilhões de vírus podem estar sendo consumidos por dia em um pequeno lago. Enquanto o "vazamento viral" de nutrientes pode quebrar cadeias alimentares, energia e nutrientes virais (virovoria) pode estar compensando essa dispersão ao redirecioná-los de volta a microrganismos.


Esse novo cenário abre o caminho para outra curiosa sugestão: evolução viral pode estar sendo orientada também sob pressão predatória, não apenas como resposta às defesas imunes dos hospedeiros. Essa hipótese precisa ser explorada em futuros estudos experimentais.


REFERÊNCIAS

  1. DeLong et al. (2022). The consumption of viruses returns energy to food chains. PNAS, 120 (1) e2215000120. https://doi.org/10.1073/pnas.2215000120
  2. https://news.unl.edu/newsrooms/today/article/eating-viruses-can-power-growth-reproduction-of-microorganism/

Reviravolta ecológica: Vírus também são predados! Reviravolta ecológica: Vírus também são predados! Reviewed by Saber Atualizado on janeiro 15, 2023 Rating: 5

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