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Antidepressivos também podem contribuir com a resistência bacteriana a antibióticos, alerta estudo


A crescente crise de resistência bacteriana é uma das maiores ameaças enfrentadas pela humanidade no campo da medicina, e já representa uma crise global nos sistemas de saúde do mundo inteiro (1). Globalmente, em 2019, é estimado que 1,2 milhão de pessoas morreram como resultado direto desse fenômeno evolutivo. A emergência da resistência bacteriana a antibióticos diversos é frequentemente atribuída ao abuso e uso indiscriminado desse tipo de medicamento pelas pessoas e na agropecuária (ex.: criação de galinhas e gado). Agora, em um estudo publicado na PNAS (Ref.1), pesquisadores demonstraram experimentalmente outro fomentador de resistência bacteriana: fármacos antidepressivos. Analisando o crescimento de bactérias em laboratório, os pesquisadores mostraram como esses fármacos podem engatilhar resistência medicamentosa e evolução de superbactérias. Os achados do estudo também corroboram estudos prévios recentes alertando sobre a relação entre antidepressivos e resistência bacteriana.


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"Mesmo após poucos dias de exposição, bactérias desenvolveram resistência, não apenas contra um mas múltiplos antibióticos," disse um dos autores do estudo, Dr. Jianhua Guo, da Universidade de Queensland, Austrália, em entrevista para a Nature (Ref.2). "Isso é ao mesmo tempo interessante e assustador."


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A emergência e disseminação de resistência a antibióticos em bactérias resulta diretamente e indiretamente na morte de aproximadamente 4,95 milhões de pessoas ao redor do mundo anualmente e é esperado que esse valor aumente dramaticamente nas próximas décadas. A evolução de resistência a antibióticos ocorre de forma intrínseca nas comunidades microbianas e independentemente do uso humano de antibióticos. No entanto, a aplicação intensiva de antibióticos para usos médico, veterinário e agropecuário aumentou de forma robusta o problema da resistência bacteriana. É bem estabelecido que o abuso e uso inadequado de antibióticos é um fator crucial para a disseminação da resistência bacteriana via múltiplos mecanismos, em especial pressão seletiva e subsequente transferência lateral de genes de resistência. 


Antidepressivos são medicamentos comumente prescritos para tratamentos de longo prazo visando quadros de transtorno depressivo maior, um dos mais comuns espectros de transtornos mentais e o mais comum entre os transtornos de humor. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 4,4% da população global vive com depressão, e o número de pessoas sofrendo com depressão aumentou em >18% de 2005 até 2015 - cenário que provavelmente piorou com a pandemia da COVID-19. O primeiro tratamento farmacológico para depressão ocorreu na década de 1950, com o medicamentos iproniazida e, antes disso, tratamento relativamente efetivo contra a depressão era feito com terapia eletroconvulsiva. O número de prescrições de antidepressivos era estimado em 120 milhões em 1998 e quase triplicou em uma década. Hoje são vários fármacos antidepressivos sendo comercializados e sendo desenvolvidos ou descobertos (2), cujas concentrações em contextos clínicos e ambientais variam de nanograma por litro (nm/L) até miligrama por litro (mg/L), e com a faixa de relevância clínica variando de 0,1 até 100 mg/L. Nos EUA, são consumidos anualmente quase 17 toneladas de antidepressivos.


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Apesar de pouco conhecimento do público sobre a questão, vários estudos têm sido publicados nos últimos anos levantando a relação entre antidepressivos e resistência bacteriana. Aliás, muitos antidepressivos, como a desipramina e o aripiprazol, exibem notável ação antimicrobiana, em especial no microbioma intestinal (Ref.3-4). Além da ação antimicrobiana - a qual por si só pode ser um fator de estresse fomentando possíveis processos evolutivos de resistência a fármacos em geral -, pesquisadores vêm sugerindo e mostrando uma relação direta entre antidepressivos e resistência bacteriana a antibióticos. 


Por exemplo, um estudo de 2018 foi o primeiro a mostrar que o antidepressivo fluoxetina - comumente vendido sob o nome de Prozac - induz múltipla resistência a antibióticos na bactéria Escherichia coli através de mutagênese (ex.: deleção, inserção e substituição no DNA) mediada por espécies oxidativas oxigenadas (ROS) (Ref.5). Em 2022, um estudo mostrou pela primeira vez que os antidepressivos fluoxetina, sertralina e amitriptilina promovem o desenvolvimento de resistência a antibióticos na bactéria Acinetobacter baumannii (Ref.6). Outros estudos clínicos nessa mesma linha e publicados em 2022 revelaram potenciais mecanismos promovendo a disseminação de resistência bacteriana a antibióticos após exposição a antidepressivos, envolvendo aumento da transferência horizontal de genes (3) e forte pressão seletiva sobre a atividade de efluxo nas células bacterianas (Ref.7-8). 


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No novo estudo publicado no periódico PNAS, os pesquisadores investigaram a ação de 5 antidepressivos e 13 antibióticos - representando 6 classes desses fármacos - sobre o crescimento de bactérias E. coli.


No ambiente laboratorial, os antidepressivos analisados fizeram as células de E. coli produzir uma maior quantidade de ROS, moléculas oxigenadas tóxicas que mostraram ativar os mecanismos de defesa das bactérias. De forma mais notável, o efeito do ROS em excesso ativou os sistemas de efluxo/bombeamento das células, um sistema geral de expulsão que várias bactérias usam para eliminar várias moléculas deletérias ou sem serventia, incluindo antibióticos. Isso provavelmente explica como a bactéria pode resistir a antibióticos sem possuir genes específicos de resistência e corrobora estudos do ano passado apontando forte pressão seletiva sobre sistemas de efluxo das bactérias sob exposição a antidepressivos.


Os experimentos laboratoriais também revelaram que - sob um ambiente aeróbico - os antidepressivos levavam a um aumento expressivo na taxa de mutação das bactérias, com subsequente seleção de vários genes de resistência, e corroborando os achados do estudo de 2018 investigando a fluoxetina. Em ambientes anaeróbicos, níveis de ROS eram muito menores e resistência a antibióticos se desenvolveu muito mais lentamente. 

 

Por fim, um dos antidepressivos analisados, sertralina, mostrou promover a transferência lateral (ou horizontal) de genes entre as células bacterianas, um processo que tipicamente acelera a emergência de resistência a antibióticos em uma população bacteriana (genes de resistência são compartilhados diretamente entre células bacterianas e exponencialmente propagados via divisão celular). Além disso, esse tipo de transferência genética pode ser feito entre diferentes clados de bactérias, mesmo entre aqueles com grande divergência evolutiva - e isso inclui o cenário de bactérias inofensivas a humanos transferindo genes de resistência para bactérias muito patogênicas.


Após os experimentos laboratoriais, os pesquisadores também conduziram análises teóricas com modelos matemáticos e encontraram que o contínuo uso a nível populacional de antidepressivos aceleraria a emergência de superbactérias e a persistência de resistência a antibióticos entre as células bacterianas. 


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Somados, os achados reforçam os alertas de estudos prévios e estabelecem um clara relação direta entre uso de antidepressivos e resistência de bactérias a antibióticos. Temos outro motivo para desaconselhar o uso indiscriminado e irresponsável desse tipo de fármaco. Aliás, esses achados também sugerem um efeito sinérgico de resistência bacteriana com o uso concomitante de antidepressivos e antibióticos, algo hoje não incomum considerando o compartilhamento similar no mercado farmacêutico para o consumo de antibióticos (5%) e antidepressivos (4,8%).


REFERÊNCIAS

  1. Guo et al. (2023). Antidepressants can induce mutation and enhance persistence toward multiple antibiotics. PNAS, 120 (5) e2208344120. https://doi.org/10.1073/pnas.220834412 
  2. https://www.nature.com/articles/d41586-023-00186-y
  3. https://www.nature.com/articles/s41598-020-74934-9
  4. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0165032716308813
  5. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0160412018304823
  6. https://journals.asm.org/doi/full/10.1128/mbio.02191-22
  7. https://ami-journals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/1462-2920.16165
  8. https://www.nature.com/articles/s43705-022-00147-y

Antidepressivos também podem contribuir com a resistência bacteriana a antibióticos, alerta estudo Antidepressivos também podem contribuir com a resistência bacteriana a antibióticos, alerta estudo Reviewed by Saber Atualizado on janeiro 24, 2023 Rating: 5

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