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Cientistas finalmente revelam como as rãs-de-vidro conseguem ficar transparentes


Transparência é uma forma complexa de camuflagem envolvendo mecanismos que reduzem o espalhamento e a absorção de luz através do organismo, e uma característica comum em vários animais marinhos invertebrados. Porém, em vertebrados terrestres, manifestar transparência é dificultado por dois problemas: índice de refração entre ar e tecidos corporais muito distintos e, em especial, presença de um sistema circulatório cheio de células vermelhas de sangue (hemácias), estas as quais fortemente atenuam a incidência de luz. Rãs-de-vidro (!) são famosas por exibir um corpo translúcido e, durante o sono, conseguem manifestar significativa transparência - através de mecanismos até o momento desconhecidos. Agora, em um estudo publicado na Science (Ref.1), pesquisadores mostraram que as rãs-de-vidro aumentam dramaticamente a transparência do corpo (até 61%) durante períodos de descanso ao remover ~89% das hemácias da circulação sistêmica e acumulá-las dentro do fígado. 


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(!) Apesar do nome popular "rãs-de-vidro", esses anfíbios são todos pererecas. Nesse mesmo sentido, alguns preferem chamar esses animais de pererecas-de-vidro.

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Camuflagem torna invisível, ou irreconhecível, o visível, tipicamente com padrões de cores que se misturam com o ambiente de fundo e/ou disfarçam fenótipos distintos. Animais diversos usam camuflagem para caça ou para fugir de predadores. Nesse sentido, a produção de pigmentos específicos na superfície do corpo é uma estratégia de camuflagem (ex.: pigmentos de coloração verde para disfarce entre as folhas na vegetação). Outra estratégia é a transparência corporal, permitindo instantânea assimilação de alta fidelidade com o ambiente de fundo independentemente dos padrões de coloração. Porém, alcançar transparência requer a modificação de vários tecidos e estruturas corporais visando maximizar a transmissão de luz, reduzir o espalhamento, evitar reflexão de superfície e minimizar a distorção de imagens.


Entre espécies aquáticas, transparência é relativamente comum e é facilitada por uma variedade de fatores ambientais, incluindo a similaridade dos índices de refração entre água e os tecidos vivos, e uma limitada necessidade de pigmentos na pele para a proteção contra raios ultravioletas (UV). Já no ambiente terrestre, devido aos fatores previamente apontados, camuflagem via transparência é observada em raros casos, particularmente certas borboletas, como as borboletas-de-vidro (Nymphalidae) e as rãs-de-vidro (Centrolenidae). Em contraste com as membranas realmente transparentes das borboletas-de-vidro (Fig.1), as rãs-de-vidro possuem o dorso esparsamente pigmentado e somente a pele ventral chega a ser transparente (permitindo a visualização dos órgãos internos) (Fig.2). Nesse sentido, é argumentado que essas rãs não exibem real transparência e, sim, são translúcidas.

 

Fig.1. Na foto, uma espécie (Greta oto) de borboleta-de-vidro. Foto: David Tiller/Wikimedia


Fig.2. Uma rã-de-vidro macho fotografada de baixo usando flash, mostrando sua notável transparência ventral. Foto: © Jesse Delia

 

Fig.3. Um par de rãs-de-vidro em período de acasalamento dormindo juntos sobre uma folha. Foto: © Jesse Delia

 

Fig.4. Um grupo de rãs-de-vidro dormindo juntas de cabeça para baixo contra uma folha. Foto: © Jesse Delia

Em um notável estudo publicado em 2020 no periódico PNAS (Ref.2), pesquisadores confirmaram que as rãs-de-vidro usam a semi-transparência como efetiva camuflagem, mas de forma distinta em relação à transparência ou à mudança ativa de cor observada em outros animais. Apelidando o fenômeno de "difusão de margem", o estudo mostrou que essas pererecas se tornam bem disfarçadas entre a vegetação/folhagem, mas com a mudança de cor no corpo amplamente restrita à luminância ao invés da cor em si. Ou seja, esses anfíbios exibem uma contínua coloração verde independentemente do ambiente de fundo, mas são percebidos mais escuros ou mais claros dependendo do substrato (Fig.5).

  

Fig.4. Um grupo de rãs-de-vidro dormindo juntas de cabeça para baixo contra uma folha. Foto: © Jesse Delia


Sob condições naturais, as rãs-de-vidro permanecem estacionárias durante o período diurno, descansando contra folhas verdes e com suas pernas coladas aos lados do corpo. Nessas condições de descanso, o nível de transparência e a eficácia da camuflagem são maximizados. Como ficam posicionadas predominantemente sobre folhas verdes, a constante cor verde do corpo desses anfíbios acaba ficando bem disfarçada, com a natureza translúcida do seu corpo otimizando o disfarce via transmissão difusa da luz de fundo.


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No novo estudo publicado na Science, pesquisadores na Universidade de Duke, EUA, resolveram investigar como as rãs-de-vidro alcançam significativo nível de transparência que deveria ser dramaticamente limitado pela circulação sanguínea. Nesse último ponto, as hemácias são particularmente muito eficientes em absorver luz verde (emitindo justamente a cor complementar vermelha), dificultando ainda mais a transmissão de luz através do corpo refletida pela superfície das folhas. 


Inicialmente, os pesquisadores usaram fotografia de cor calibrada para medir mudanças de transparência em rãs-de-vidro da espécie Hyalinobatrachium fleischmanni durante períodos de atividade e de inatividade. Eles encontraram que, durante o descanso, a transparência do corpo desses anfíbios aumentava, na média, em 34% a 61%.


Para analisar as hemodinâmicas das rãs-de-vidro enquanto descansavam, sem perturbá-las ou interferir significativamente com seus processos fisiológicos normais, os pesquisadores usaram uma técnica chamada de microscopia fotoacústica (PAM). A técnica envolve a emissão de um feixe [seguro] de laser, o qual é então absorvido por moléculas e convertido em ondas ultrassônicas. Essas ondas sonoras são então usadas para produzir detalhadas imagens biomédicas das moléculas. A técnica é não-invasiva, quieta e sensível, tornando-a ideal para as análises conduzidas no estudo.


Em placas de Petri, rãs-de-vidro (H. fleischmanni) foram colocadas para descansar na mesma posição tipicamente encontrada no seu habitat natural, e um laser verde foi emitido. As hemácias no corpo da rã absorveram a luz verde e emitiram ondas ultrassônicas, as quais foram então captadas por sensores acústicos para o rastreamento dessas células, com alta resolução espacial e alta sensibilidade. 


Os resultados das análises mostraram que a maior transparência durante o descanso das rãs-de-vidro era alcançada através da remoção de ~89% das hemácias da circulação sanguínea, todas acumuladas dentro do fígado; o volume hepático, durante esse processo, mostrou aumentar em ~40%. É a primeira vez que tal impressionante habilidade é descrita em um vertebrado.

 

Fig.6. Imagens via microscopia fotoacústica (sistema OR-PAM) mostrando hemácias circulantes dentro de uma rã-de-vidro durante o sono e sob anestesia (a qual quebra o processo de armazenamento de hemácias no fígado). O esquema de cores mostra a porcentagem de hemoglobinas ligadas com oxigênio. Taboada et al., 2022

Experimentos subsequentes mostraram que as hemácias nas rãs-de-vidro eram massivamente liberadas do fígado e re-circuladas quando os animais voltavam a ficar ativos - tornando possível novamente a movimentação do corpo -, e então re-agregavam no fígado quando voltavam a descansar. No vídeo abaixo, essa dinâmica pode ser observada.


           


Ainda é incerto como as rãs-de-vidro conseguem agregar tantas hemácias juntas sem letais coagulações, ou mesmo sobreviver a essa extrema adaptação fisiológica. Aliás, durante ~12 horas/dia, o transporte de oxigênio pelo corpo desses anfíbios é dramaticamente reduzido, implicando forte impacto no metabolismo normal do corpo. Desvendar os mecanismos metabólicos, hemodinâmicos e fisiológicos por trás dessa habilidade podem render promissores avanços na medicina. 


É também incerto se essas pererecas podem ativar essa habilidade e manipular as concentrações de hemácias na circulação a qualquer momento, por exemplo, na presença de um predador, ou se o mecanismo é ativado apenas durante períodos de descanso/sono.


REFERÊNCIAS

  1. Taboada et al. (2022). Glassfrogs conceal blood in their liver to maintain transparency. Science, Vol. 378, Issue 6626. https://doi.org/10.1126/science.abl6620
  2. Barnett et al. (2020). Imperfect transparency and camouflage in glass frogs. PNAS, Vol. 117, No. 23, 12885-12890. https://doi.org/10.1073/pnas.1919417117 
  3. https://www.science.org/content/article/glass-frogs-become-see-through-hiding-their-blood

Cientistas finalmente revelam como as rãs-de-vidro conseguem ficar transparentes Cientistas finalmente revelam como as rãs-de-vidro conseguem ficar transparentes Reviewed by Saber Atualizado on dezembro 23, 2022 Rating: 5

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