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Papagaios quebram regra biológica do 'número par de membros', conclui estudo

 
Nenhum vertebrado, vivo ou extinto, é conhecido de possuir um número ímpar de membros. Apesar desse "fenótipo proibido", modos de locomoção que simulam números ímpares de membros (ex.: tripedalismo ou pentapedalismo) evoluíram tanto em linhagens de aves quanto de mamíferos. Locomoção trípede é comumente empregada por papagaios durante escalada em superfícies diversas (grades, árvores, etc.), os quais usam o bico como um suporte extra nessa tarefa. No entanto, até o momento, era incerto se as funções do bico se resumiam a um gancho de estabilização, ou como um real membro propulsivo. Agora, em um recente estudo publicado no periódico Proceedings of the Royal Society B (Ref.1), pesquisadores demonstraram que os papagaios usam modos tripedais cíclicos quando escalam, com o bico e os membros traseiros gerando forças de reação e potência propulsivas e tangenciais comparáveis entre si sobre o substrato de apoio. Os resultados das análises cinéticas suportaram que essas aves evoluíram um terceiro membro de locomoção terrestre com funções múltiplas.


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Não existe nenhum vertebrado com três membros hoje vivo descrito na literatura acadêmica, e não existe qualquer evidência de tal fenótipo na história do nosso planeta (registro fóssil). Esse "fenótipo proibido" poderia se manifestar como um membro na linha mediana do plano corporal, mas limitações filogenéticas associadas ao desenvolvimento bilateral de membros impõe um forte empecilho para essa possibilidade. Apesar da falta de tetrápodes (vertebrados com quatro membros) com número ímpar de membros, modos de locomoção terrestre tripedal (simulando três membros) e pentapedal (simulando cinco membros) evoluíram em múltiplas linhagens, incluindo mamíferos e aves.


Considerando o conceito geral de "membro efetivo" definido como uma característica anatômica que interage entre a massa do animal e o substrato sobre o qual ele se move, é argumentado que o bico e a cauda de papagaios escaladores podem ser considerados, sob certos parâmetros, membros efetivos. No entanto, o conceito de um 'membro propulsivo' é usado para diferenciar contato incidental, estabilização ou simples abraço, de uma função propulsora típica de uma perna. De fato, tal definição é necessária para diferenciar o papel da cauda entre modos pentadentais de locomoção com propulsão caudal (ex.: cangurus e macacos-aranhas) e modos de locomoção nos quais a cauda é arrastada (ex.: crocodilianos e numerosos mamíferos com longas caudas, como tamanduás e civetas arbóreas).


Incapazes de usar suas asas como membros superiores com função de agarrar, os papagaios (ordem Psittaciformes) evoluíram um modo de locomoção trípede onde o aparato de alimentação (bico) serve como a "mão" de um membro adicional. Essa locomoção trípede responde por mais de 5% da movimentação terrestre em papagaios selvagens. No entanto, tem sido pouco esclarecido se os papagaios usam o bico para simplesmente se agarrarem no substrato (servindo para um função primária de estabilização), ou se a função do bico [e cabeça-pescoço] é uma real inovação evolucionária na qual essa estrutura anatômica assume um papel central de propulsão e impulsionamento do corpo na forma de um padrão cíclico.


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Para esclarecer a natureza da locomoção trípede nos papagaios, os pesquisadores no novo estudo analisaram em detalhes o padrão de movimentação de papagaios da espécie Agapornis roseicollis (média de massa corporal de ~49 g). As aves analisadas não possuíam qualquer anormalidade locomotória e patologias ao longo da duração do estudo experimental. 


Os resultados das análises experimentais mostraram que o bico e a cauda dos papagaios começam a entrar em contato com o substrato (superfície de locomoção) a uma inclinação de 45°, com o uso do bico se tornando sempre presente durante uma escalada vertical (figura abaixo). Os pesquisadores mostraram que o bico gerava um pico de força propulsiva não significativamente diferente daquele dos membros traseiros, possuindo também um pronunciado papel em balancear as aves sobre substratos verticais, e gerando forças de tensão e de impulsionamento estatisticamente indistinguíveis das forças de impulsionamento dos membros traseiros. Aliás, o pico da força tangencial produzida pelo bico mostrou ser levemente maior do que aquele gerado pelos membros traseiros. Por fim, o bico gerou substancial trabalho mecânico positivo (~0,3 W/kg), quase se igualando aquele gerado pelos membros traseiros (~0,5 W/kg).




Ajustando equivalência entre diferentes escalas de pesos corporais, os pesquisadores também mostraram que as forças propulsivas e tangenciais produzidas pela cabeça das aves analisadas eram similares, ou até mesmo superiores, aos picos de magnitude das forças produzidas pelos membros posteriores de primatas durante escalada vertical (ex.: chimpanzés subindo em árvores ou humanos escalando um rochedo). 


          


A cauda das aves analisadas, apesar de fornecer forças compressivas adicionais mantendo as aves eretas e balanceadas enquanto paralelas ao substrato, mostrou contribuir com uma geração de força propulsiva muito inferior, além de realizar trabalho mecânico negativo no sentido de impulsionar o corpo. 


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Com base nos resultados dos experimentos, os pesquisadores concluíram que o bico [e cabeça-pescoço] dos papagaios foi cooptado durante a evolução dessas aves para funcionar biomecanicamente como um real terceiro membro, conferindo tanto estabilidade quanto força propulsiva necessárias para permitir a locomoção trípede. No plano tangencial, o bico também serve para contrabalancear o torque gravitacional ameaçando derrubar o animal para longe do suporte, de forma similar aos membros traseiros. O uso da cabeça [e estruturas anatômicas associadas] como um membro propulsivo representa, nesse sentido, um inovação evolucionária que, até onde sabemos, só emergiu dentro da ordem Psittaciformes, quebrando também a "regra do número par" para membros funcionais de locomoção em vertebrados.


Incorporar a cabeça no sistema locomotor constitui uma complicação para os geradores de padrão central (GPCs) do movimento cíclico bilateral e levantam a possibilidade de interferência inter-membros ao longo das passadas. No entanto, segundo os autores do estudo, existe a possibilidade de que os papagaios não precisaram de uma radical inovação neuromuscular para incorporar os movimentos da cabeça dentro do ciclo locomotor, devido à presença do comportamento de head-bobbing (movimentos repetidos da cabeça para baixo e para cima, bem característicos nesse grupo de aves). Nesse sentido, a utilização da cabeça como um terceiro membro durante a locomoção vertical pode ser uma modificação dos padrões neuromusculares responsáveis pelo head-bobbing.


É possível que os papagaios tenham evoluído um terceiro membro para compensar a falta de movimentos de pulo observados tipicamente em várias outras aves de interação arbórea (na locomoção terrestre, papagaios andam com movimentos alternados dos membros posteriores, como humanos e a grande maioria dos vertebrados terrestres)


REFERÊNCIA

  1. Young et al. (2022). Overcoming a ‘forbidden phenotype’: the parrot's head supports, propels and powers tripedal locomotion. Volume 289, Issue 1975. https://doi.org/10.1098/rspb.2022.0245 

Papagaios quebram regra biológica do 'número par de membros', conclui estudo Papagaios quebram regra biológica do 'número par de membros', conclui estudo Reviewed by Saber Atualizado on junho 02, 2022 Rating: 5

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