Todos os organismos vivos produzem metano, aponta estudo
Metano (CH4), o mais abundante hidrocarboneto na atmosfera e um importante gás do efeito estufa (1), é produzido largamente a partir de fontes biogênicas ligadas ao um crescente número de organismos ocorrendo em ambientes aeróbicos (com presença significativa de oxigênio) e anaeróbicos (sem significativo oxigênio). Tradicionalmente, metano biogênico tem sido considerado o produto final da decomposição anaeróbica de matéria orgânica por organismos unicelulares Archaea metanogênicos, apesar de existirem algumas espécies de bactérias capazes de produzir metano via metabolismo anaeróbico (ex.: nos gêneros Clostiridium e Bacteroides). Porém, inesperadamente, plantas, fungos, algas e cianobactérias também produzem metano de forma limitada na presença de oxigênio - algo revelado nas últimas duas décadas.
(1) Leitura recomendada: Gases estufas, vapor de água e o GWP
Apesar de organismos metanogênicos serem conhecidos de produzir metano através de enzimas durante o metabolismo energético anaeróbico, mecanismos bioquímicos para a produção de metano por células aeróbicas e sem metanogênese enzimática são desconhecidos. Agora, um estudo publicado no periódico Nature (Ref.1) trouxe uma explicação para esse fenômeno, e os achados fortemente sugerem que todos os organismos vivos produzem naturalmente metano, incluindo humanos.
Há 16 anos, pesquisadores do Instituto Max Planck, na Alemanha, descobriram que plantas eram capazes de liberar metano mesmo em um ambiente aeróbico. Esse achado recebeu bastante ceticismo, já que a produção de metano não podia ser explicada pelo então conhecimento fisiológico, metabólico e bioquímico das plantas. O mistério ganhou mais uma camada de surpresa quando os pesquisadores também observaram que fungos, algas e cianobactérias (bactérias fotossintetizantes) - todos organismos aeróbicos - também eram capazes de produzir metano sob condições aeróbicas. Desde então, enzimas têm sido investigadas como possível fator causal da produção espontânea de metano nesses organismos, mas nenhuma foi encontrada.
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> IMPORTANTE: É bem estabelecido que os gases intestinais em humanos possuem pequenas quantidades de metano em sua composição, o qual pode ter uma concentração relativamente alta em algumas pessoas. Porém, assim como ocorre em outros animais e no famoso "arroto" das vacas e outros ruminantes (Ref.3), a presença de metano nos gás intestinal humano é devido essencialmente à atividade de microrganismos unicelulares metanogênicos (no caso, pertencentes ao microbioma intestinal). Para mais informações: Será que estou realmente sofrendo de um excesso de gases?
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Para esclarecer melhor essa questão, pesquisadores do Max Planck Institute for Terrestrial Microbiology, no novo estudo, resolveram investigar a atividade metabólica das bactérias Bacillus subtilis e Escherichia coli. Após exaustiva análise laboratorial, eles encontraram que a formação de metano nesses organismos era ativada por ferro livre (íons Fe2+) e espécies reativas oxigenadas (ROS), os quais são gerados pela atividade metabólica normal e fomentada pelo estresse oxidativo. Ou seja, quanto maior o nível metabólico, maior a produção de ROS (ex.: peróxido de hidrogênio e radicais hidroxilas) e maior a formação de metano, sem a necessidade de enzimas para catalisar essa nova forma descrita de metanogênese.
Os pesquisadores mostraram que radicais metilas (CH3*) ROS-induzidos, derivados de compostos orgânicos contendo grupos metilas ligados a enxofre (S) ou nitrogênio (N) eram intermediários cruciais para o processo de metanogênese em organismos aeróbicos. Quando o ROS interage com o Fe, a reação de Fenton ocorre - uma reação entre ferro reduzido e peróxido de hidrogênio que leva à formação de compostos tetravalentes de ferro altamente reativos e radicais hidroxilas. Essas últimas moléculas causam a clivagem de radicais metilas do enxofre metilado e de compostos nitrogenados (ex.: o aminoácido metionina). Em uma reação subsequente do radical metila com um átomo de hidrogênio, metano é finalmente formado.
Todas essas reações mostraram ocorrer sob condições fisiológicas in vitro e são significativamente potencializadas por biomoléculas como ATP (molécula de transporte energético) e NADH (molécula de transferência de hidreto [-H]/agente redutor), gerados pelo metabolismo celular. Além disso, estresse oxidativo - ativado por fatores físicos e químicos (ex.: alta temperatura ambiente) - também mostrou aumentar a formação de metano. Já pelo contrário, a adição de antioxidantes e de neutralizadores de radicais livres reduziram a formação de metano - uma interação que provavelmente controla a formação de metano nos organismos.
Após demonstrarem a rota química de produção do metano nessas bactérias, os pesquisadores confirmaram a formação de metano pela mesma rota química em mais de 30 modelos de organismos (procariontes e eucariontes), desde bactérias e Archaea até células de fungos, plantas e humanos. Os resultados fortemente sugerem que a produção de metano está presente em todos os organismos vivos.
O achado possui importante implicação em várias áreas da Ciência, desde Biologia Celular e Bioquímica, até na medicina e na questão das mudanças climáticas. Com o aumento da temperatura e outros fatores de estresse ambiental causados pelo processo de aquecimento global, podemos ter um feedback positivo potencializando o efeito estufa com a maior emissão de metano pelos organismos vivos no planeta. Além disso, na área de medicina, é bastante usado um 'teste de bafômetro' para medir o nível de metano emitido pela exalação bucal - algo até o momento pensado de depender apenas da microbiota oral e intestinal. No mesmo sentido, medir o nível de metano produzido no corpo humano pode indicar mudanças no metabolismo celular associadas ao envelhecimento e/ou ao estresse oxidativo.
REFERÊNCIAS
- Ernst et al. (2022). Methane formation driven by reactive oxygen species across all living organisms. Nature. https://doi.org/10.1038/s41586-022-04511-9
- https://www.mpg.de/18403646/0309-terr-all-organisms-produce-methane-153410-x
- Misiukiewicz et al. (2021). Review: Methanogens and methane production in the digestive systems of nonruminant farm animals. Animal, Volume 15, Issue 1, 100060. https://doi.org/10.1016/j.animal.2020.100060