Reveladas raras variantes genéticas que protegem contra ou promovem a obesidade
A gordura corporal é um traço com forte caráter genético e a obesidade para a qual a gordura corporal contribui é ligada a uma variedade de doenças humanas, incluindo diabetes, câncer (!) e doença cardíaca. De fato, existem diversos genes associados a funções e células no cérebro ligados à predisposição à obesidade (Ref.1-2). Essas áreas afetadas controlam, por exemplo, o processamento de sinais associados ao trato gastrointestinal e a estímulos externos (ex.: visão ou cheiro de alimentos) que agem em conjunto para regular o comportamento alimentar e as reservas de energia.
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Enquanto é conhecido que fatores genéticos atuam de forma essencial no balanço de energia e na regulação de gordura corporal, como os genes e raras variantes codificantes predispõem ou protegem os indivíduos da obesidade ainda não é totalmente entendido. Um melhor entendimento nesse sentido pode fornecer um caminho para o desenvolvimento seguro e efetivo de estratégias terapêuticas para tratar ou prevenir o acúmulo excessivo de massa adiposa no corpo.
Agora, em um massivo estudo genômico publicado na Science (Ref.3), pesquisadores analisaram mais de 640 mil exomas (fração do genoma que codifica proteínas) humanos, identificando pela primeira vez raras variantes genéticas fortemente associadas com o índice de massa corporal (IMC), em especial variantes associadas ao gene GPR75, as quais parecem garantir forte proteção contra a obesidade.
Para o estudo os pesquisadores sequenciaram os exomas de 645626 indivíduos do Reino Unido, dos EUA e do México e estimaram associação de raras variantes de genes codificantes com o IMC - uma medida que fornece uma boa estimativa da adiposidade geral na prática clínica da maior parte dos indivíduos (excetua-se aqui pessoas com alta massa muscular, ex.: fisiculturistas).
Os resultados da análise revelaram 16 genes para os quais a presença de raras variantes estavam associadas com IMC em significativa extensão estatística, incluindo associações com cinco receptores acoplados à proteína G expressos no cérebro (genes CALCR, MC4R, GIPR, GPR151 e GPR75). Os pesquisadores observaram um excesso de genes altamente expressos no hipotálamo, um centro crucial para a regulação neuroendócrina do balanço de energia. Variantes codificando proteínas truncadas no gene GPR75 foram encontradas em ~4 a cada 10 mil pessoas sequenciadas e foram associados com um IMC 1,8 kg/m2 menor, massa corporal 5,3 kg menor, e 54% menor chance de obesidade para indivíduos heterozigotos para essas variantes (alelos).
Em experimentos laboratoriais in vivo, ratos geneticamente modificados que tiveram o gene GPR75 desativado (deleção, no caso) mostraram resistência ao ganho de massa corporal mesmo sob uma dieta com alta quantidade de gordura. Essa associação mostrou-se alelo-dose dependente. Para ratos heterozigotos (um gene desativado e o outro ativado no par cromossômico) foi observada uma redução de 25% no ganho de massa corporal. Para ratos com ambos os genes desativados, a redução no ganho de massa corporal observada foi de 44%. Além disso, a desativação do gene GPR75 foi acompanhada por melhora no controle glicêmico e na sensibilidade à insulina.
Voltando à análise genômica, os pesquisadores encontraram que variantes codificantes de proteínas truncadas do gene CALCR estavam associadas com um maior IMC e risco de obesidade. Variantes codificando proteínas truncadas do gene GIPR e dois alelos do tipo missense [Arg190→Gln (Arg190Gln), Glu288Gli] - resultando em perda de função - estavam associadas com menor adiposidade.
Entre genes de obesidade monogênicos no caminho leptina-melanocortina, variantes heterozigotas com perda de função dos genes LEP, POMC, PCSK1 e MC4R estavam associados com maior IMC. Raras variantes codificando proteínas truncadas dos genes UBR2, ANO4 e PCSK1 foram associadas com mais de duas vezes maior chance de obesidade em portadores heterozigotos, similar ao predito para variantes do gene MC4R, as quais são consideradas as mais comuns causas de obesidade monogênica. Predisposição poligênica (manifestadas a partir da ação de vários genes) devido a mais de 2 milhões de variantes genéticas comuns mostrou influenciar a penetrância de obesidade em portadores de raros alelos associados e de forma aditiva.
Segundo concluíram os pesquisadores, além do estudo reforçar a importância do sequenciamento de exoma para o melhor entendimento de complexas doenças, também trouxe uma potencial estratégia para o tratamento da obesidade e de problemas relacionados, como a diabetes: inutilização do gene GPR75 através de fármacos visando bloquear a expressão desse último.
REFERÊNCIAS
- https://elifesciences.org/articles/55851
- https://www.cambridge.org/core/journals/twin-research-and-human-genetics/article/abs/genetic-and-environmental-influences-of-dietary-indices-in-a-uk-female-twin-cohort/48632224BDF4C60E69FDE67F8E21A1C7
- https://science.sciencemag.org/content/373/6550/eabf8683
