Cientistas produzem três notas de um dos mais antigos instrumentos musicais conhecidos
Após quase 80 anos após sua descoberta e subsequente esquecimento por décadas, uma grande concha da notável e ornada Caverna de Marsoulas, na cordilheira dos Pireneus, separando a Península Ibérica do restante da Europa, têm sido arduamente investigada pelos cientistas nos últimos anos. Acredita-se que essa cocha, visivelmente modificada por humanos, representa o mais antigo instrumento musical de sopro do seu tipo, datado em mais de 18 mil anos atrás. Agora, em um estudo publicado no periódico Science Advances (1), os pesquisadores, além de melhor caracterizar as modificações antrópicas na concha, revelaram como esse potencial instrumento musical soava, produzindo três distintas notas.
Descobertas de flautas datando do Aurignaciano e Gravetiano mostram que sociedades humanas do Paleolítico Superior (50 mil até 12 mil anos a.C.) já estavam produzindo música. Em 1931, na Caverna Marsoulas - associada com a cultura Magdaleniana -, escavações arqueológicas revelaram uma grande concha de caracol do mar da espécie Charonia lampas, um molusco originário do Noroeste Atlântico e do Mar do Norte. Datações via radiocarbono dataram a concha em cerca de 18 mil anos atrás, e suas dimensões englobam 31 cm de comprimento, 18 cm de diâmetro (na mais larga região) e grossura de até 0,8 cm. Análises detalhadas dessa concha através de tomografia computacional e fotogrametria têm revelado numerosas pistas de intervenção humana no exterior e no interior da sua estrutura.
A ponta da concha está quebrada, formando uma abertura com diâmetro de 3,5 centímetros. Como essa é a mais dura parte da concha e extremamente resistente a choques, a quebra é claramente não-acidental considerando também a organização dos locais de impacto. No final oposto, a abertura da concha mostra traços de retoques (cortes) e a primeira espiral interna encontra-se perfurada, provavelmente para manter o bucal no eixo da circulação de ar. Nesse último ponto, uma fina camada de material colorante amarronzado indica que um material orgânico estava ali presente para anexar um tubo no buraco da ponta para formar um sistema de preensão labial. Finalmente, a concha foi decorada com pigmentos vermelhos (hematita), característico de objetos e das paredes na Caverna Marsoulas, algo que indica um status simbólico.
Para confirmar a hipótese que essa concha foi usada para produzir sons, cientistas pediram a ajuda de um músico especializado em trombeta de corno. O músico foi capaz de produzir três sons próximos das notas C e D: Nota 1 (F0 = 256 Hz), Nota 2 (F0 = 265 Hz) e Nota 3 (F0 = 285 Hz), como mostrado no vídeo abaixo. A cerca de 1 metro da concha, a intensidade do som produzido foi de aproximadamente 100 dBA.
Na forma como a ponta da concha está, o músico voluntário indicou que o local de sopro iria causar danos no soprador ao longo do tempo de uso, reforçando a hipótese de que existia ali um bucal visando otimizar a produção musical. Os pesquisadores pretendem agora usar uma impressora 3D para criar uma peça de encaixe do tipo que possa espelhar aquela que provavelmente foi usada no final do Paleolítico, e investigar se a concha pode ser usada para produzir outras notas musicais com o auxílio do bucal impresso.
(1) Publicação do estudo: https://advances.sciencemag.org/content/7/7/eabe9510