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Administração de cocô da mãe para o bebê nascido via cesárea parece ser benéfico

- Atualizado no dia 26 de novembro de 2022 -


Bebês nascido por cesárea possuem um aumento de risco para o desenvolvimento futuro de várias doenças crônicas, como asma e alergias. Esse aumento de risco está ligado a deficiências microbióticas causadas pelo parto cesariano, com consequentes impactos no sistema imune. Agora, em um estudo piloto publicado no periódico Cell (Ref.1), pesquisadores provaram que é possível recuperar a microbiota deficiente de bebês de cesárea através do transplante de matéria fecal da mãe, reforçando também a hipótese de que o orifício anal próximo do canal vaginal é uma característica anatômica positivamente selecionada durante a evolução dos vertebrados (mamíferos, no caso). 


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TRANSPLANTE FECAL


Atualmente, existem duas principais formas, comprovadas e eficazes, de melhorar a saúde da microbiota no trato intestinal. A primeira vem com uma dieta alimentar  equilibrada, rica, principalmente, em fibras (1). O consumo maior de verduras, frutas e alimentos integrais fornece uma rica e variada oferta de fibras alimentares e outros nutrientes essenciais à nossa boa saúde da flora intestinal. A segunda solução vem ganhando cada vez mais popularidade na prática médica: transfusão de microbiota fecal (TMF). 


(1) Leitura recomendada: A importância das fibras para a microbiota intestinal


Uma comunidade microbiótica alterada tem sido implicado na patogênese de várias desordens. A FMT refere-se à administração de microrganismos de um doador saudável para um paciente alvo com a intenção de modificar a microbiota desse último. A TMF tem se destacado particularmente no tratamento de infecção recorrente pela bactéria Clostridioides difficile, a qual tem crescido a proporções epidêmicas nas últimas décadas, com taxas de recorrência de 30-65% e falha na resposta a múltiplos antibióticos. Quando usada de forma sequencial, a FMT cura quase 80% dos pacientes com severa ou fulminante infecção pela C. difficile. E, recentemente, um robusto estudo conduzido pela Associação Americana Gastroenterológica (AGA) reportou que a TFM é segura e capaz de curar a infecção por C. difficile em 90% dos 259 pacientes analisados a curto, médio e longo prazo (Ref.4).


Além da infecção pela C. difficile, a FMT - a qual é geralmente realizada via colonoscopia ou endoscopia superior - está sendo usada experimentalmente no tratamento de outras doenças ligadas à microbiota, primariamente problemas gastrointestinais, mas também condições neurológicas, comportamentais e metabólicas. Evidências científicas mais recentes indicam que não só bactérias benéficas, como partículas virais (viroma) e fungos (micobioma) presentes nas fezes são responsáveis pela eficácia e pelo potencial terapêutico da técnica.


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> ATENÇÃO: Existem movimentos nas redes sociais incentivando as pessoas a realizarem por contra própria o transplante fecal de microbiota. Isso é altamente perigoso! No procedimento médico as fezes do doador são primeiro preparadas em laboratório e filtradas para a busca de potenciais patógenos, para só então serem injetadas no intestino do paciente. Em um estudo publicado em 2019 no periódico The New England Journal of Medicine (Ref.6), pesquisadores reportaram dois graves casos de bacteremia com uma cepa bacteriana resistente de Escherichia coli transmitida durante uma TMF, com um dos paciente indo a óbito. E detalhe: a TMF foi realizada em ambiente hospitalar e seguindo os protocolos de preparação recomendados - ou seja, uma falha na seleção do doador mesmo sob a supervisão de profissionais de saúde.

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A colonização microbiótica dos recém-nascidos é um processo pivô que afeta a saúde futura do bebê. Apesar de frequentemente ser associada com a microbiota do canal vaginal, análises metagenômicas profundas e outras análises genéticas mais recentes têm mostrado que os primeiros colonizadores do intestino de bebês nascidos pela via vaginal são bactérias maternais fecais, principalmente membros dos gêneros Bifidobacterium e Bacteroides. Trabalhos clínicos anteriores já haviam tentado transferir para os bebês de cesárea a microbiota vaginal da mãe, mas sem resultados positivos em termos de corrigir o desbalanço microbiótico, porque as bactérias vaginais mostraram não ser capazes de colonizar o intestino de bebês. 


Após a descontinuidade do aleitamento materno, a microbiota fecal gradualmente se torna dominada principalmente pelo gênero anaeróbico Clostridia. Nesse sentido, é muito provável que o sistema biológico humano se adaptou em termos evolucionários a receber sinais microbianos específicos (janelas de oportunidade) durante seu desenvolvimento inicial fora do corpo da mãe para a programação metabólica e de imunidade recíproca.


A colonização natural microbiótica e, consequentemente, o desenvolvimento normal, podem sofrer distúrbios por práticas que previnem a transmissão de bactérias ou alteram a microbiota do bebê. Talvez o mais forte desses fatores - junto com ausência de aleitamento materno e uso de antibióticos - é o parto via cesárea. Essa prática efetivamente elimina a possibilidade de transferência vertical natural das bactérias intestinais da mãe para o bebê durante o parto, resultando em desvios anômalos no desenvolvimento da microbiota, mais notavelmente nos primeiros 6 meses de vida. Diversos problemas crônicos de saúde estão ligados a essa prática, incluindo doenças autoimunes, obesidade, asma e até alguns cânceres.


Os partos via cesárea estão em notável aumento ao redor do mundo, afetando mais de 50% dos nascimentos em algumas regiões. No Brasil, a cesariana já é uma epidemia e lidera o ranking mundial. Nosso país é o único do mundo onde mais de 55% dos partos são feitos por via cirúrgica! Quando analisamos as redes de saúde separadamente, a privada realiza  mais de 80% dos partos via cesárea e, na pública, são cerca de 40%, sendo que a OMS (Organização Mundial de Saúde) orienta que o percentual não deve ultrapassar os 30% (2). 


(2) Para mais informações, acesse: Parto por cesárea: Preocupante epidemia no Brasil 



Para testar se o transplante de microbiota fecal (TMF) poderia ser uma ferramenta terapêutica para compensar os efeitos deletérios na microbiota dos bebês nascidos via cesárea, pesquisadores da Universidade de Helsinki, Finlândia, resolveram selecionar 7 mães com recém-nascidos - seguindo um rigoroso filtro para prevenir transferência de patógenos - que realizaram o parto de cesariana. Todas as mães deram a luz na idade gestacional de 37 semanas (±3) e estavam amamentando o bebê há pelo menos 2 meses. 


No total, foram 5 bebês do sexo feminino e 2 bebês do sexo masculino, os quais receberam o transplante de fezes das suas respectivas mães. A matéria fecal foi preparada (diluída) junto com 5 mL do primeiro leite de amamentação das mães e dado para os bebês tomarem. Todos os bebês eram saudáveis e receberam 3,5 mg de matéria fecal, com exceção de um bebê (M6) que recebeu 7 mg. Análises laboratoriais indicaram que uma única dose continha aproximadamente 700 mil a 1,6 milhões de células bacterianas vivas.


Após a intervenção da TMF materna, o microbioma dos 7 bebês foi comparado com o microbioma de 29 bebês nascidos via vaginal e com 18 bebês nascidos via cesárea


Os resultados mostraram que os bebês no experimento desenvolveram uma microbiota intestinal similar àquela observada em bebês nascidos via parto normal (vaginal). Nenhum dos bebês mostrou complicações. Além disso, a TMF materna corrigiu a persistente falta das bactérias do gênero Bacteroides e atrasou o desenvolvimento do gênero Bifidobacterium. Por fim, os pesquisadores observaram também mitigação de potenciais bactérias patogênicas oportunistas - como aquelas do gênero Enterococcus, Enterobacter e Klebsiella -, e as quais são comumente observadas em níveis preocupantes em bebês nascidos via cesárea.


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EVOLUÇÃO, ÂNUS E VAGINA


Segundo os pesquisadores, existe uma razão pra o orifício do canal vaginal ser próximo do orifício anal em todos os vertebrados - mesmo existindo o risco de maiores infecções vaginais e urinárias (como de fato é observado entre as mulheres). Isso seria fruto de seleção natural, não apenas um evento aleatório, durante o processo evolutivo. Bebês recém-nascidos já seriam preparados para receberem alguma exposição das fezes maternas.


Um estudo prévio publicado em fevereiro deste ano no periódico Microbiology Letters (Ref.7) também concorda com essa sugestão, recomendando inclusive que a prática de "semeação vaginal" (transferência de microbiota da vagina para o sistema digestivo do bebê) fosse descontinuada em bebês nascidos via cesárea, em prol da transferência de bactérias da subespécie Bifidobacterium longum infantis, as quais evoluíram para colonizar o intestino do bebê (3). Aliás, a semeação vaginal seria arriscada devido ao risco de transferência de preocupantes patógenos sexualmente transmissíveis, e é contraindicada inclusive pela Faculdade Americana de Obstetras e Ginecologistas. Os autores do estudo apontam que a comunidade bacteriana colonizando o canal vaginal é significativamente diferente das bactérias colonizando a pele e o intestino humanos, devido a drásticas diferenças ecológicas e de condições ambientais associados a cada microbiota. Nesse sentido, a mais óbvia fonte de semeação do intestino do recém-nascido seria o intestino da mãe.


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(3) Devido às práticas médicas modernas, como uso de antibióticos, essa bactéria em específico tem ficado cada vez menos prevalentes na população, dificultando sua transferência mesmo pelo parto vaginal e amamentação. Os autores no estudo sugerem a transferência microbiana dessa subespécie mesmo para bebês nascidos por parto natural. 

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Durante o parto vaginal, a cabeça do bebê pressiona e achata o cólon da mãe, facilitando a excreção materna de fezes no processo. A proximidade da vagina e do ânus e a posição fetal ótima para o parto (posição occipício anterior com a cabeça para baixo, encarando no sentido de trás da pélvis da mãe) aumenta muito a probabilidade de transferência microbiana mãe-bebê. No nascimento, o intestino do recém-nascido possui um nicho ecológico não ocupado ambientalmente similar ao intestino da mãe, e evidências acumuladas nos últimos anos têm mostrado que a microbiota intestinal do recém-nascido frequentemente é dominado por clados de bactérias comumente encontrados no intestino materno.


De fato, é bem estabelecido que a maioria das mulheres experienciam algum grau de movimento intestinal durante o parto, e é comum a expulsão de fezes nesse processo. Esse mecanismo fornece uma potencial rota para facilitar a exposição de matéria fecal ao bebê na região perianal, que pode se manifestar de forma mais notável quando medidas de higiene não são tão estritas como no mundo Ocidental. Aliás, segundo os pesquisadores, em alguns países é comumente praticado um dia de jejum ou uma lavagem anal precedendo um parto vaginal, o que pode talvez afetar a transferência de microbiota da mãe para o feto.


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PORÉM, os pesquisadores também alertam que o procedimento de TMF materna NÃO deve ser feito de forma caseira pelos pais, porque pode levar mais danos do que benefícios para os bebês. Durante as seleções de candidatos para os procedimentos no estudo, os pesquisadores reportaram que 29% das mães testaram positivo para micróbios patogênicos potencialmente nocivos para o bebê dependendo do nível de exposição, incluindo o vírus da herpes. E, seguindo esse último ponto, ainda não se sabe a dose ótima de exposição fecal. Mais trabalhos nessa área precisarão ser feitos para o desenvolvimento de protocolos seguros e efetivos (!).


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(!)  ATUALIZAÇÃO: Um estudo clínico de longo prazo chamado de SECFLOR está sendo conduzido para avaliar os impactos do transplante fecal materno (Ref.8). Foram recrutadas 60 mães saudáveis que tiveram parto via cesárea, e os bebês que receberam material fecal da mãe serão acompanhados e analisados por 24 meses. É o primeiro estudo avaliando os efeitos do transplante fecal no microbioma intestinal e no desenvolvimento do sistema imune ao longo dos primeiros anos de vida de bebês nascidos via cesárea.

> Um estudo clínico mais recente reforçou que bebês nascidos por cesárea possuem deficiência em Bacteroides fecais e esfingolipídios microbianos (uma classe de moléculas de lipídios), e trouxe forte evidência de que esse fenótipo está associado a uma maior suscetibilidade ao desenvolvimento de asma nos primeiros anos de vida (Ref.10)

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REFERÊNCIAS

  1. https://www.cell.com/cell/fulltext/S0092-8674(20)31089-8
  2. https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/19490976.2020.1810531
  3. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1542356520300021
  4. https://www.gastrojournal.org/article/S0016-5085(20)35221-5/fulltext 
  5. https://journals.lww.com/ajg/Abstract/2020/04000/Understanding_the_Scope_of_Do_It_Yourself_Fecal.19.aspx
  6. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1910437
  7. Duar et al. (2020). Reintroducing B. infantis to the cesarean-born neonate: an ecologically sound alternative to “vaginal seeding”, FEMS Microbiology Letters, Volume 367, Issue 6. https://doi.org/10.1093/femsle/fnaa032
  8. Carpén et al. (2022). Transplantation of maternal intestinal flora to the newborn after elective cesarean section (SECFLOR): study protocol for a double blinded randomized controlled trial. BMC Pediatrics 22, 565. https://doi.org/10.1186/s12887-022-03609-3
  9. https://microbiomejournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40168-022-01282-3
  10. Lee-Sarwar et al. (2022). The maternal prenatal and offspring early-life gut microbiome of childhood asthma phenotypes. https://doi.org/10.1111/all.15516 
  11. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1931312822001007

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