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Glândulas de veneno similares àquelas das cobras são encontradas em anfíbios


Um estudo publicado no periódico iScience (1), e liderado por pesquisadores do Instituto Butantan, revelou uma inesperada característica das cobras-cegas (um anfíbio ): presença de glândulas orais semelhantes àquelas de peçonha vistas nos répteis (particularmente nas cobras). Vivendo em ambientes subterrâneos, os pesquisadores descreveram glândulas associadas aos dentes na espécie Siphonops annulatus (cecília-anelada) que, quando comprimidas durante a mordida, liberam uma secreção que penetra nos ferimentos causados nas presas – minhocas, larvas de insetos, pequenos anfíbios e serpentes e mesmo filhotes de roedores. Se confirmado que essas glândulas realmente possuem veneno, os cecilianos podem representar os mais antigos vertebrados terrestres com glândulas orais de peçonha.

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Os anfíbios cecilianos possuem uma história evolutiva que engloba algo em torno de 250 milhões de anos - no Carbonífero Tardio-Permiano Inferior - desde a divergência dos anfíbios anuranos (sapos, rãs e pererecas) e das salamandras. A maioria das 214 espécies atualmente conhecidas de cecílias emergiram de ancestrais terrestres no supercontinente Gondwana, vivem geralmente debaixo da terra e ainda permanecem pouco estudadas. Enquanto que as salamandras e os anuranos desenvolveram uma variedade de sistemas de alimentação, os cecilianos se alimentam exclusivamente via ação da mandíbula, usando uma poderosa mordida e uma série de dentes curvados e afiados para capturar e engolir presas diversas de pequeno porte. 

A produção de toxinas para a subjugação de presas ou para a defesa evoluiu diversas vezes nos animais. No caso dos anfíbios (Lissamphibia) - a primeira linhagem evolutiva desde que os primeiros tetrápodes emergiram do ambiente aquático - a existência de toxinas (produzidas ou sequestradas) é observada tipicamente nas glândulas da pele, sem mecanismos para ativamente injetar o veneno, e por isso muitas espécies dentro desse grupo - especialmente rãs - são considerados venenosos, não peçonhentos. Nesse caso, predadores são geralmente entoxicados quando tentam comer esses animais. Exceção à regra, até o momento, é vista em duas espécies de perrerecas (Corythomantis greeningi e Paraphenodon brunoi), as quais usam uma coroa de espinhos na cabeça para injetar o veneno produzido na pele ao interagir com potenciais predadores (I). 

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(I) Aliás, uma dessas espécies foi descoberta por um dos autores do novo estudo descrevendo as cecílias. Para mais informações, acesse: Cientistas reportam os primeiros anuros peçonhentos conhecidos

Todos os grupos de anfíbios compartilham uma pele caracterizada pela presença de glândulas mucosas e granulares distribuídas ao longo do corpo. Em específico, as cecílias - também conhecidas como cobras-cegas - possuem uma grande concentração de glândulas de veneno na pele da cauda, como forma de defesa passiva contra predadores. Esse era o único sistema de defesa via uso de toxinas conhecido entre os cecilianos.

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No novo estudo, pesquisadores Brasileiros - liderados pelo pós-doutorando Pedro Luiz Mailho-Fontana - resolveram investigar em mais detalhes a morfologia da cabeça pertencente à cecília-anelada (S. annulatus), uma espécie nativa da América do sul. Somando-se a isso, os pesquisadores investigaram o comportamento predatório dessa espécie em cativeiro e o desenvolvimento embrionário associado.




Os resultados da análise morfológica mostraram que a cecília-anelada possui duas fileiras de dentes que estão presentes na maxila, e com a mandíbula possuindo apenas uma fileira de dentes. Quando a boca é fechada, os dentes mais externos da mandíbula superior permanecem individualmente armazenados em uma fileira de cavidades localizada bem em frente dos dentes mandibulares - presentes em cavidades no epitélio da mandíbula superior entre as duas fileiras de dentes - em uma posição mais externa. Quando a pele é parcialmente removida, uma série de glândulas caracterizadas por longos dutos se abrindo na base dos dentes é observada em ambas as regiões labiais, como mostrado na imagem abaixo.



As serpentes acumulam a peçonha em bolsas que, quando pressionadas pelos músculos, é injetada através dos dentes. Nas cascavéis e jararacas, por exemplo, esses dentes são ocos, semelhantes a agulhas de injeção. No caso das cecílias, com base na análise morfológica e comportamental, a compressão das glândulas durante a mordida parece liberar as substâncias produzidas pelas glândulas descritas, com a entrada no corpo da presa sendo facilitada pelo ferimento causado pelos dentes afiados, contorção do corpo durante a predação e pela persistência na mordida enquanto empurrando a presa contra um substrato. O veneno proposto visaria incapacitar a presa. É o que fazem lagartos como o monstro-de-gila e, mais recentemente proposto, o dragão-de-Komodo (II). Aliás, os dentes da cecília-anelada ficam repleto da secreção glandular.

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(II) Para mais informações, acesse: Afinal, os Dragões-de-Komodo são peçonhentos ou não?

Na segunda parte do estudo, os pesquisadores resolveram investigar a composição bioquímica da secreção associada às glândulas - a qual também serve para lubrificar as presas e facilitar a deglutição. As análises mostraram que a secreção que sai da boca do animal durante a mordida contém um número de proteínas enzimáticas, incluindo a fosfolipase A2, uma enzima bastante comum no veneno de animais como como abelhas, vespas e serpentes. A atividade dessa enzima na secreção das cecílias, inclusive, mostrou-se maior do que a existente na peçonha da cascavel, apesar de não ser possível ainda aferir que o animal é mais ou menos peçonhento do que essa serpente.

Três outras espécies de cecílias também foram analisadas no estudo, e todas mostraram expressar as glândulas secretoras no maxilar, com as secreções constituídas também de muco, lipídios e proteínas, e essas últimas igualmente sugestivas de cumprirem papel tóxico. Em uma delas, Typhlonectes compressicauda – a única que vive em ambiente aquático –, as glândulas foram encontradas apenas na mandíbula do animal, a parte inferior da boca, e não na maxila, a parte superior.

Os pesquisadores planejam agora realizar novos testes usando técnicas de biologia molecular para caracterizar com mais precisão a secreção das glândulas dentais das cecílias e confirmar sua natureza de veneno. Aliás, segundo os pesquisadores, a caracterização dessas proteínas pode render novos candidatos para o desenvolvimento de fármacos.

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Por fim, os pesquisadores realizaram uma análise relativa ao desenvolvimento embrionário, a qual mostrou que as glândulas se posicionam na base dos dentes e se desenvolvem a partir do mesmo tecido que lhes dá origem, a lâmina dental - bem diferente das glândulas que ocorrem  na pele -, assim como ocorre com as glândulas de peçonha dos répteis. Essa é a primeira vez que glândulas desse tipo são encontradas em anfíbios. 

As glândulas orais de veneno das cecílias, caso suas secreções forem realmente tóxicas, podem indicar um manifestação primordial dos órgãos de peçonha. Ao contrário das cobras, as quais possuem poucas glândulas com um grande estoque de veneno, as cecílias-aneladas possuem várias pequenas glândulas com pequenas quantidades de fluído. Nesse sentido, as cecílias podem representar uma forma evolutiva mais primitiva de glândula peçonhenta. Cobras aparecerem no Cretáceo provavelmente há 100 milhões, mas os cecilianos são bem mais antigos, talvez 250 milhões de anos como já mencionado.


(1) Publicação do estudo: iScience

> Fica também a sugestão do vídeo publicado no YouTube pelo Instituto Buntantan sobre o estudo: Segredos das cecílias e suas glândulas de veneno 

Glândulas de veneno similares àquelas das cobras são encontradas em anfíbios Glândulas de veneno similares àquelas das cobras são encontradas em anfíbios Reviewed by Saber Atualizado on julho 04, 2020 Rating: 5

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