Esses peixes marinhos possuem uma pele ultra-preta que absorve quase 100% da luz
Em um estudo publicado no periódico Current Biology (1), pesquisadores descobriram que nas escuras profundezas do oceano, a mais de 200 metros de profundidade, existem várias espécies de peixes que evoluíram uma pele ultra-preta que absorve mais de 99,5% da luz incidente, tornando-os quase impossíveis de serem notados nesse ambiente, a não ser pelos traços de bioluminescência. No estudo, os pesquisadores descreveram 16 espécies com esse fenótipo.
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Para o achado, cientistas da Universidade de Duke e do Museu Nacional Smithosiano de História Natural usaram uma rede de arrastão e um veículo operado remotamente para capturar 39 peixes pretos nadando até 1,6 quilômetros de profundidade nas águas da Baía de Montery e do Golfo do México. No total, foram identificadas 18 espécies. Usando um espectrômetro para medir a quantidade de luz refletida da pele desses peixes - em uma faixa de comprimento indo de 350 nanômetros (nm) até 700 nm - os pesquisadores encontraram que nos comprimentos de onda em torno de 480 nm (na faixa do azul e próximo do pico da luz ambiente nas profundezas do mar e da maioria da bioluminescência oceânica) a reflectância chegava a ser inferior a 0,5% em 16 dessas espécies. Isso é cerca de 20 vezes mais escuro do que o preto que geralmente vemos no dia-a-dia.
Nas duas espécies restantes (Chauliodus macouni e Cyclothone acclinidens), menos do que 0,6% da luz incidente no comprimento de onda de 480 nm era refletida.
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A média de reflectância ao longo do espectro visível da luz para cada espécie variou de 0,051% até 1,04% entre 14 espécies com uma ampla banda de reflectância inferior a 0,5%. Esse baixíssimo nível de reflectância coloca as espécies com as menores reflectâncias medidas (gênero Oneirodes; 0,044% a 480 nm) lado a lado com os animais que possuem as mais escuras estruturas corporais conhecidas, superando as borboletas ultra-pretas (0,06%-0,5% de reflectância) e se igualando à Soberba Ave-do-Paraíso (Lophorina superba; 0,05%-0,31% de reflectância) (I). Em termos de comparação, materiais produzidos pelos humanos, como o papel preto, refletem cerca de ~10% da luz incidente, e o mais escuro material sintético - produzido com nanotubos de carbono alinhados verticalmente - reflete 0,045% da luz incidente.
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(I) Para mais informações, acesse: Soberba Ave-do-Paraíso
Com exceção das espécies Cyclothone acclinidens, Chauliodus macouni e
Sigmops elongatus, os pesquisadores encontraram que a pele ultra-preta cobria a maior parte do corpo desses peixes, sugerindo a função de reduzir reflexão da luz incidente de bioluminescência sobre o corpo (incluindo as iscas de luz de predadores e reações defensivas de presas). De fato, os peixes capturados, em geral, eram de tamanho intermediário, o que fomenta a busca por meios para evadir de predadores maiores. Além disso, vários peixes nas profundezas - como aqueles dos gêneros Oneirodes, Eustomias, e Astronesthes - usam estruturas alongadas com bioluminescência (luz gerada por processos bioquímicos nos seres vivos) nas pontas para atrair presas; como as presas precisam chegar bem perto para serem abocanhadas, essas poderiam escapar se chegassem perto e vissem o corpo do animal através da luz de isca refletida.
Para investigar essa hipótese, os pesquisadores realizaram simulações computacionais comparando o desempenho de peles com reflectâncias variando de 2% até 0% no ambiente marinho dessas espécies. O modelo criado previu que a distância de avistamento dos peixes a partir de luz de fontes diversas nesse tipo de ambiente é proporcional à raiz quadrada do número de fótons (partículas-onda da luz) sendo refletidos de volta ao observador. Usando essa relação, os pesquisadores encontraram que reduzir a reflectância de 2% para 1% reduz a distância de avistamento em 29% e que diminuir ainda mais a reflectância para 0,5% ou 0,05% reduz a distância de avistamento em 50% e 84%, respectivamente. E considerando que predadores visuais tipicamente procuram um volume no espaço e que a redução na distância de avistamento é linear, a camuflagem extra proporcionada pela pele ultra-preta pode ser ainda maior do que a calculada na simulação.
Uma espécie analisada (C. acclinidens), porém, possuía pele ultra-preta apenas em volta do intestino, o que sugere que função possa ser a de impedir que a luz emitida por presas bioluminescentes recentemente consumidas alerte outros predadores maiores em volta.
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Na segunda parte do estudo, os pesquisadores resolveram analisar os aspectos morfológicos da pele desses peixes para elucidar o mecanismo permitindo um preto tão escuro. Via microscopia eletrônica (TEM e SEM), eles encontraram que o pigmento dando a cor preta para a pele é o mesmo que o nosso - melanina -, mas que o formato e arranjamento das estruturas contendo melanina (melanossomos) eram diferentes de uma típica pele preta encontrada em outros animais de sangue frio. Em termos de arranjamento, os pesquisadores encontraram que os melanossomos eram mais densamente empacotados, formando uma lâmina contínua ao redor do corpo, enquanto que outros tipos de pele preta contêm lacunas não-pigmentadas.
O achado, além de revelar mais um fascinante aspecto dos misteriosos seres marinhos das profundezas, ainda possui implicações biotecnológicas importantes, as quais podem levar ao desenvolvimento de novos materiais de ultra-absorção de luz com o potencial de serem empregados em áreas diversas, como telescópios e painéis solares.
(1) Publicação do estudo: Current Biology
Esses peixes marinhos possuem uma pele ultra-preta que absorve quase 100% da luz
Reviewed by Saber Atualizado
on
julho 19, 2020
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