Aquecimento global antropogênico reverteu um processo de resfriamento global de 6,5 mil anos
Um robusto e compreensivo estudo publicado ontem no periódico Scientific Data (1), analisando uma massiva quantidade de dados paleoclimáticos acumulados nas últimas décadas, encontrou que nos últimos 150 anos, o aquecimento global antropogênico mais do que reverteu o resfriamento global que ocorreu nos últimos seis milênios. Há 6,5 mil anos - quando o processo de resfriamento global começou - a temperatura média da superfície do planeta era 0,7°C acima da média encontrada em meados do século XIX. Hoje, devido à contínua e massiva emissão de gases do efeito estufa nas últimas décadas, a temperatura superficial média global está 1°C maior maior daquela de meados do século XIX.
O estudo foi liderado por quatro pesquisadores da Universidade do Arizona do Norte em colaboração com cientistas de instituições de pesquisa ao redor de todo o mundo. O objetivo foi reconstruir as variações da média de temperatura global ao longo do Holoceno - o período que seguiu a última Era do Gelo e que começou há cerca de 12 mil anos - usando uma massiva compilação de dados e uma série de novas e mais avançadas metodologias analíticas.
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Durante os dois milênios antes do século XX, a temperatura superficial média global (GMST) esfriou a uma taxa de aproximadamente - 0,15°C a cada 1000 anos. Porém, até o momento, ainda era incerto quando esse processo multi-milenar de resfriamento começou e se o recente processo de aquecimento global dirigido por fatores antropogênicos excedeu o GMST máximo do Holoceno. A única reconstrução prévia do GMST baseada em múltiplos dados paleoclimáticos - e publicada em 2013 - mostrou um incerto aquecimento máximo ao redor de 7000 ± 2000 anos atrás, seguindo por um resfriamento global multi-milenar. Essa tendência de resfriamento, porém, ocorreu enquanto as concentrações de gases atmosféricos estavam aumentando, algo apelidado de "Enigma de temperatura do Holoceno", fazendo referência ao aparente processo de resfriamento global inferido na prática e o aquecimento simulado por modelos climáticos globais para a época (tendência reforçada pela mais recente geração de modelos climáticos).
Nesse sentido, para esclarecer melhor a questão, um grupo internacional de 93 cientistas paleoclimáticos de 23 países publicaram no começo deste ano o mais robusto conjunto de dados paleoclimáticos já compilado para os últimos 12 mil anos, englobando 1319 registros baseados em amostras oriundas de 679 locais geográficos ao redor do mundo. Evidências ecológica, geoquímica e biofísica nesse compilado representaram desde análise de sedimentos e depósitos marinhos até investigação de núcleos de gelo retirados das regiões polares e de grãos de pólen fossilizados, e foram geradas por inúmeros cientistas ao longo várias décadas de pesquisa básica.
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No novo estudo publicado na Scientific Data, os pesquisadores realizaram uma extensiva análise das variações de GMST associadas ao robusto compilado de dados, a partir da aplicação de cinco diferentes métodos estatísticos. Essa estratégia multi-analítica visou minimizar ao máximo as incertezas associadas. Os resultados da análise mostraram que o mais quente intervalo de 200 anos no Holoceno ocorreu há cerca de 6500 anos, quando o GMST era 0,7°C mais quente do que aquele do século XIX e bem depois do suposto evento de 'resfriamento enigmático'. Pelo contrário, em torno de 7 mil anos foi iniciado um já esperado e sutil processo de aquecimento global. Seguindo o máximo térmico global do Holoceno, o GMST esfriou a uma taxa média de -0,08°C para cada 1000 anos.
Esse sutil processo de resfriamento global desde o máximo do Holoceno provavelmente foi dirigido por lentos ciclos da órbita da Terra, os quais reduziram a quantidade luz solar atingindo o Hemisfério Norte, culminando na 'Pequena Era do Gelo' em séculos recentes. A Pequena Era do Gelo testemunhou anomalias climáticas regionais - especialmente de temperaturas bem abaixo do normal na Europa -, fomentadas provavelmente por esse processo de resfriamento global acumulado e vários eventos de erupções vulcânicas (I).
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(I) Leitura recomendada: Os últimos milênios foram marcados por vários resfriamentos e aquecimentos globais?
Porém, desde meados do século XIX, o aquecimento global aumentou a média global de temperatura em torno de 1°C, sugerindo que o GMST da última década (2010-2019) foi mais quente do que qualquer momento do atual período pós-Glacial. Nesse sentido, é possível que a última vez que o GMST ficou acima de 1°C em relação ao século XIX foi antes da última Era do Gelo, há cerca de 125 mil anos, quando os níveis dos mares estavam em torno de 6 metros acima dos níveis vistos hoje.
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Portanto, esse é um alerta importante, especialmente porque o futuro climático do planeta será influenciado tanto por forças naturais quanto pelos fatores antropogênicos representados pelas massivas emissões de gases estufa (exacerbação do efeito estufa). Mas lembrando que em menos de 2 séculos revertemos bruscamente todo o quadro térmico da superfície do planeta pintado ao longo de vários milênios pelos fatores naturais.
(1) Publicação do estudo: Nature
> Leitura recomendada: Quais são as evidências paleoclimáticas do Aquecimento Global Antropogênico?
Aquecimento global antropogênico reverteu um processo de resfriamento global de 6,5 mil anos
Reviewed by Saber Atualizado
on
julho 01, 2020
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