Maior inteligência, e não apenas religião, diminui a taxa de crimes violentos
Muitos acadêmicos têm argumentado que a religião reduz comportamentos violentes dentro de grupos sociais humanos. No entanto, esse tema continua controverso, especialmente nas décadas mais recentes. Para melhor esclarecer essa questão, em um robusto estudo publicado no periódico Psychological Science (1) pesquisadores realizaram uma análise longitudinal sobre dados coletados de 1945 a 2010 (envolvendo até 176 países e 1046 observações) e encontraram que menores taxas de religiosidade estão mais fortemente associadas com maiores taxas de homicídios apenas em países com uma menor média de QI (Quociente de Inteligência), enquanto os países com uma maior média de QI não mostraram um aumento em crimes violentos com um menor grau de religiosidade.
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Muitas das maiores religiões do mundo oferecem regras morais invioláveis e ameaças de punições sobrenaturais caso tais regras sejam violadas. Ao apelar para intuições e motivações humanas básicas como desejos de se conformar a uma autoridade poderosa, de pertencer a um grupo organizado, e de evitar punições, as religiões podem limitar e guiar o comportamento humano. Nesse sentido, no geral, religiosidade prediz numerosos resultados positivos em termos sociais; entre esses benefícios estão a potencial redução do comportamento criminoso. A religião, nesse caminho, é associada com um maior auto-controle, o que facilita o comportamento pró-social e diminui o comportamento antissocial. Esse argumento inclusive suporta a hipótese de que deuses moralistas - como o deus Cristão - foram importantes para a emergência de complexas e estáveis sociedades humanas (I).
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(I) Leitura recomendada: Deuses moralistas foram cruciais para a emergência das grandes civilizações humanas?
No entanto, a relação entre religiosidade e comportamento moral têm sido alvo de calorosos debates acadêmicos. Se a religião serve ou não para a supressão de comportamentos antissociais têm sido discutido há pelo menos 2 mil anos. Várias evidências indicam que o tamanho desse efeito pode variar substancialmente dependendo de outras co-variáveis. Seria a religiosidade crucial para alimentar a pró-sociabilidade, ou outros fatores podem ser mais importantes?
Assim como a religião, maior inteligência e auto-controle - os quais estão positivamente relacionados - estão associados com menores taxas de comportamento antissocial e crime. Apesar das razões (provavelmente múltiplas) para essas relações permanecerem obscuras, maior inteligência e auto-controle fornecem aos indivíduos algumas capacidades únicas aplicáveis em grandes e complicados ambientes sociais que requerem cooperação e coordenação sofisticadas. Corroborando esse cenário, têm sido observado que a crença religiosa declinou entre sociedades industrializadas avançadas com populações de altos níveis educacionais e de inteligência, sugerindo que a religião pode ser não-essencial para indivíduos com relativa maior habilidade cognitiva e maior auto-controle. Esses indivíduos podem ser melhor capazes do que outros em estruturar suas vidas ao redor de princípios morais abstratos e de resistir a tentações imediatas em termos de recompensas. Além disso, grupos compostos de tais indivíduos podem ser melhor capazes de criar e de sustentar instituições seculares - como democracias, regras da lei, etc. - que limitam comportamentos, alimentam um senso de justiça, e mantêm a confiança requerida para a cooperação e prosperidade econômica.
Em outras palavras, um maior nível de inteligência e de auto-controle podem compensar o fator religioso (crenças diversas baseadas em deuses e forças sobrenaturais moralistas), este último possivelmente trazendo benefícios apenas em populações com menores níveis de inteligência/educação e de auto-controle. Isso não significa, porém, que certos grupos precisam de religião mais do que outros, porque existem várias rotas culturais para regular e reforçar normas de cooperação e paz. No entanto, religiosidade pode ser diferencialmente vantajosa para populações em diferentes graus de habilidade cognitiva (média populacional), e, portanto, um declínio nas crenças religiosas pode ter um efeito diferente sobre esses grupos.
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Nesse sentido, no novo estudo, os pesquisadores resolveram testar a hipótese de que a inteligência modera a relação entre religiosidade e comportamentos moral e imoral. Como proxy de inteligência, os pesquisadores escolheram o QI, o qual, apesar de imperfeito e controverso, ainda é útil para generalizar certos aspectos de inteligência também associados com o nível educacional [obviamente, todas as sociedades humanas possuem indivíduos muito inteligentes; o menor ou maior nível de inteligência medido via QI pelo novo estudo busca uma média e uma generalização].
Na primeira parte do estudo, os pesquisadores demonstraram que um declínio na religiosidade de 1945 até 2010 estava associado com um aumento concorrente nas taxas de homicídio apenas em países com médias de QI relativamente baixas. Na segunda parte do estudo, os pesquisadores realizaram uma análise multiversa da literatura acadêmica sobre violência e religiosidade em diferentes países e levando em conta um número de variáveis socioeconômicas e dados disponíveis sobre QI. Essa combinação de variáveis e análises planejadas produziram 171 possíveis modelos estatísticos com até 195 países, os quais corroboraram a conclusão da primeira parte do estudo.
Os pesquisadores, contudo, alertaram que as três principais variáveis de interesse (religião, inteligência e moralidade) são multifacetadas e difíceis de serem medidas e ainda mais difíceis de serem comparadas entre diferentes culturas e países. Religiões mudam drasticamente de uma região para outra, trazendo inclusive conflitos violentos entre si. Já o QI pode variar drasticamente até mesmo dentro de um país, com tais diferenças podendo ser causadas (em parte) por diferenças em nível escolar mas também por outras diferenças culturais. Somando-se a isso, 'violência' foi medida apenas em termos de taxas de homicídios.
Finalmente, apesar dos resultados encontrados satisfazerem a hipótese inicial, os pesquisadores não sabem exatamente o que dentro da inteligência ou da religião está associado com o menor nível de comportamento violento. Os mecanismos para ambos podem ser similares (podem igualmente aumentar o auto-controle), ou podem ser substancialmente diferentes, mas os dois parecem, de fato, estarem ligados a vantagens para a regulação do comportamento violento a nível de grupo.
(1) Publicação do estudo: aps
Maior inteligência, e não apenas religião, diminui a taxa de crimes violentos
Reviewed by Saber Atualizado
on
fevereiro 20, 2020
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