Cientistas argumentam que baleias e orcas migram para limpar a pele
No Reino Animal, as baleias da subordem Mysticeti (baleias-verdadeiras) - cetáceos que exibem cerdas bucais no lugar de dentes - realizam uma das mais longas rotas migratórias conhecidas, frequentemente nadando milhares de quilômetros, ao longo de vários meses, visando procriação nos trópicos. Mas a pergunta que não consegue uma resposta conclusiva é: por quê? Agora, em um novo estudo publicado no periódico Marine Mammal Science, pesquisadores propuseram uma solução fora da curva acadêmica: as baleias que se alimentam nas águas polares migram para as baixas latitudes para manter a pele saudável.
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Entre os mamíferos, as baleias-verdadeiras realizam as mais longas migrações conhecidas: baleias-cinzentas (Eschrichtius robustus) completam viagens circulares de 15000-25000 km, e já foi registrado um espécime de jubarte (Megaptera novaeangliae) que viajou pelo menos 18840 km. Mas ainda é um mistério o porquê dessas baleias viajarem distâncias tão vastas. Historicamente, grandes migrações de baleias têm sido descritas como um movimento anual e cíclico entre áreas de altas latitudes visando a alimentação, e áreas de baixas latitudes visando a reprodução. Nesse sentido, tem sido há muito tempo reconhecido que as baleias migram para altas latitudes durante o verão para se alimentar sobre presas sazonalmente abundantes, porém é persistente o mistério do porquê delas migrarem milhares de quilômetros no inverno e para se acasalarem nas baixas latitudes, onde oportunidades de alimentação são geralmente escassas ou não existentes.
Aliás, o investimento energético é alto para essas longas migrações. Baleias migratórias atravessam períodos de engorda e de emagrecimento, tipicamente armazenando energia (lipídios) no verão - através de alimentação abundante ao longo de uma janela temporal relativamente curta (1) - para a jornada de migração, acasalamento e lactação. Com várias notáveis exceções, como jubartes e baleias-azuis no Golfo da Califórnia, baleias tipicamente jejuam no inverno e durante a migração, com consequente e significativa perda de massa corporal. Essas baleias são capazes de jejuar por mais de metade do ano enquanto migram milhares de quilômetros e alimentam filhotes que quadruplicam o tamanho corporal no mesmo período.
As hipóteses até o momento estabelecidas que tentam explicar esse comportamento migratório extremo têm sido apoiadas, em geral, sobre duas premissas: termorregulação e proteção contra predadores.
Nas baixas latitudes oceânicas tem sido proposto que os filhotes possuem mais chance de sobreviver, devido às águas mais quentes nessas regiões. Maior temperatura da água favoreceria termorregulação ideal aos filhotes antes destes desenvolverem uma camada isolante de gordura, o que por sua vez pode permitir um crescimento mais rápido. No entanto, baleias como a Baleia-da-Groenlândia (Balaena mysticetus) vivem todo o ano no Ártico e no subártico, engravidando e gerando filhotes nessas regiões; outras espécies bem menores de cetáceos também seguem o mesmo padrão.
As hipóteses até o momento estabelecidas que tentam explicar esse comportamento migratório extremo têm sido apoiadas, em geral, sobre duas premissas: termorregulação e proteção contra predadores.
Nas baixas latitudes oceânicas tem sido proposto que os filhotes possuem mais chance de sobreviver, devido às águas mais quentes nessas regiões. Maior temperatura da água favoreceria termorregulação ideal aos filhotes antes destes desenvolverem uma camada isolante de gordura, o que por sua vez pode permitir um crescimento mais rápido. No entanto, baleias como a Baleia-da-Groenlândia (Balaena mysticetus) vivem todo o ano no Ártico e no subártico, engravidando e gerando filhotes nessas regiões; outras espécies bem menores de cetáceos também seguem o mesmo padrão.
Outra proposta envolvendo termorregulação argumenta que as baleias buscam águas mais quentes que favorecem reservas corporais de energia durante os períodos de inverno onde a disponibilidade de alimento é bem menor nas altas e nas baixas latitudes. No entanto, evidências conflitantes colocam em cheque essa hipótese, sugerindo inclusive que as grandes baleias, como a baleia-azul (Balaaenoptera musculus), encontram substancial dificuldade em dissipar calor corporal nas águas próximas dos trópicos.
Sob o cenário de proteção contra predadores, teríamos baleias grávidas buscando proteger seus futuros filhotes de grandes tubarões ou orcas (Orcinus orca). Essa hipótese (proteção materna) é sustentada em especial pelo fato das orcas serem geralmente menos abundantes em baixas latitudes e representarem um grande perigo para os filhotes. Aliás, orcas são os únicos predadores ainda vivos de baleias adultas.
Como alternativa a essas duas linhas de pensamento, existem duas outras hipóteses menos defendidas:
- uma delas sugere que as baleias buscam águas mais quentes para melhor se livrarem de cirrípedes (crustáceos hermafroditas que vivem fixos em rochas, cascos de embarcações, pilares, baleias e outras superfícies no mar) - e os quais tendem a se desprender mais facilmente em águas menos frias;
- a outra sugere possível rastreamento de presas mais nutritivas e mais abundantes em mais baixas latitudes.
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Para resolver essa questão, os pesquisadores no novo estudo resolveram ir por um caminho diferente para entender o comportamento migratório das baleias, usando justamente as orcas como proxy de migração. Apesar das orcas pertencerem ao grupo dos golfinhos (2), esses cetáceos possuem relativo grande porte e também parecem realizar movimentos migratórios similares - mas geralmente mais modestos - àqueles das baleias. No inverno, as orcas costumam se mover de altas latitudes situadas em torno de 30° para latitudes em torno de 60°. Para explicar esse aparente movimento migratório, foi proposto em 2012 pelos dois autores principais do novo estudo que certos grupos de orcas estavam ativamente buscando renovar e limpar a pele; outros autores no passado também chegaram a sugerir uma ligação similar em baleias.
Nessa hipótese de limpeza cutânea, as orcas estariam conservando calor corporal em águas Antárticas com temperaturas abaixo de zero (-1,9°C) ao reduzirem a circulação sanguínea na camada externa da pele. Essa redução do fluxo sanguíneo dificultaria o crescimento normal e descamação da pele, fomentando o acúmulo de algas diatomáceas na parte externa da pele. Com isso, as orcas podem ser obrigadas a migrarem periodicamente para águas mais quentes para descamarem suas peles, se livrando das algas nesse processo e tornando a pele mais saudável. De fato, orcas na Antártica estão frequentemente cobertas com uma camada fina e amarelada dessas algas - evidência de que elas não conseguem descamar a pele com boa eficiência nessas águas -, mas em outros períodos, essas mesmas orcas não são mais observadas com esse 'filme' de algas.
O mais importante dessa hipótese é que todas as baleias em águas da Antártica também acumulam na pele grande quantidade de algas diatomáceas, e a mesma explicação para a migração das orcas pode explicar as migrações de outros cetáceos que se alimentam nas altas latitudes. Assim como humanos, baleias e golfinhos normalmente descamam a pele - se livrando de células velhas e/ou mortas - de forma contínua. O acúmulo de grossas camadas de "sujeira" - abrigando bactérias potencialmente patogênicas - indica que esse processo está sendo interrompido de forma deletéria nas águas muito frias. De fato, a descamação requer uma pele metabolicamente ativa, algo que, por sua vez, requer uma boa circulação sanguínea na parte mais externa da pele.
Aliás, segundo o novo estudo, observações já foram feitas de baleias-azuis com uma massiva camada de algas diatomáceas nas suas barrigas - e viajando a partir da Antártica -, ficando livres dessas camadas nos trópicos. Outra evidência mais marcante é o fato das belugas (Delphinapterus leucas) - as únicas "baleias" dentadas (cetáceos da ordem Odontoceti) habitando as regiões Ártica e subártica - migrarem anualmente para águas mais quentes para descamar a pele, algo antes pensado ser um comportamento único entre os cetáceos.
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Buscando mais suporte para a hipótese da limpeza cutânea, os pesquisadores resolveram acompanhar, via satélite, 62 orcas marcadas com rastreadores. O contínuo rastreamento durou oito anos, e os dados acumulados revelaram que todos os quatro tipos de orcas que se alimentam nas águas geladas da Antártica estavam migrando tão longe quanto 11000 quilômetros e de forma periódica. A maioria das migrações foram rápidas, sem paradas, e amplamente realizadas de forma retilínea e direta: norte e de volta ao sul (Antártica). Uma das orcas completou tal migração muito rápido, em 5,5 meses. Além disso, os pesquisadores também encontraram que os filhotes das orcas estavam nascendo saudáveis nas águas da Antártica, e não viram uma maior tendência de nascimentos nas águas mais quentes.
E além do maior benefício de limpeza cutânea, as baleias também poderiam estar aproveitando as águas mais quentes para otimizar o crescimento dos filhotes e em um ambiente mais seguro (com menos predadores). Ou seja, as principais hipóteses prévias poderiam estar certas em alguma extensão, mas trazendo fatores adaptativos secundários em relação ao fator adaptativo mais importante (primário): limpeza da pele.
Como orcas não são baleias, as novas evidências apresentadas não são conclusivas para bater o martelo nessa hipótese, mas se somam de forma convincente a outras evidências apontando no mesmo sentido. Os pesquisadores pediram agora que mais grupos de pesquisa testem essa hipótese diretamente em reais baleias, acompanhando o crescimento da massa cutânea extra em baleias migratórias e não-migratórias durante as movimentações entre alta e baixa latitudes.
Leitura recomendada:
Cientistas argumentam que baleias e orcas migram para limpar a pele
Reviewed by Saber Atualizado
on
fevereiro 26, 2020
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