Humanos dominaram a Terra antes do que o pensado
Segundo um robusto estudo publicado no periódico Science (1), o Antropoceno parece ter se iniciado muito antes do que o atualmente proposto. Evidência dos mais antigos animais e plantas domesticados datam de cerca de 10 mil anos atrás, mas os achados de um time de pesquisadores englobando a participação mais de 250 arqueólogos mostraram que há cerca de 3 mil anos os humanos modernos já dramaticamente mudavam o mundo para a agricultura e a criação de animais. Ou seja, nesse período, nossa espécie tinha se transformado na maior força de alteração do ecossistema global.
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Liderado pelo arqueólogo Lucas Stephens, um pesquisador afiliado ao Instituto Max Planck para a Ciência e História humana, o estudo (Projeto ArchaeoGLOBE) convidou especialistas em uso antigo de terra para contribuir com um questionário sobre 146 regiões (cobrindo todos os continentes com exceção da Antártica) relacionadas a dez intervalos temporais históricos - entre 10 mil anos atrás e o ano de 1850 d.C. - para acessar e integrar conhecimento arqueológico em uma escala global. Os dados acumulados foram analisados via meta-análise, e incluíram especialmente regiões antes pouco investigadas no contexto global quanto ao uso da terra, como da África e de ilhas do Pacífico.
Formas intensivas de agricultura reportadas ao redor do mundo incluíram atividades como clareamento de terras (desmatamento, queimadas), criação de campos que foram fixados sobre a paisagem, criação de grandes rebanhos de animais, e um aumento no esforço de produzir mais comida . O aumento na agricultura e na criação de animais é primariamente devido ao crescimento das populações humanas, e, consequentemente, mais bocas para alimentar.
Os humanos começaram a deixar impactos persistentes na superfície da Terra começando há 10 mil até 8 mil anos. Os resultados do novo estudo mostraram que os caçadores-coletores, agricultores e pastoralistas transformaram substancialmente a face da Terra bem mais cedo e com uma maior extensão do que antes assumido, uma transformação que foi essencialmente global já há 3 mil anos.
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Os arqueólogos e antropólogos possuem amplamente definidos os processos de 'domesticação' e, em uma menor extensão, de 'agricultura'. No entanto, 'caça e coleta' é uma mais variada e complexa adaptação de subsistência do que originalmente conceitualizado. Sua definição gera debate entre acadêmicos envolvendo inúmeras variáveis antropogênicas de alteração do ambiente. Os caçadores-coletores podem ser caracterizados como agentes dependentes de economias de subsistência e de práticas de uso de terra que geralmente exibem baixas quantidades de alteração humana direta dos ecossistemas e do controle dos ciclos de vida de plantas e de animais. Dentro dessa categoria mais ampla existem várias formas de busca por recursos e manejamento de terras que têm alterado drasticamente e, às vezes, irreversivelmente paisagens.
Em adição a alterar comunidades bióticas ao redor do mundo através do transporte e propagação de espécies favorecidas, o uso extensivo de terra por coletores-caçadores pode também indicar um amplo e disseminado uso de fogo para otimizar o sucesso das caças e das coletas. Queimas sistemáticas possuem implicações para o ciclo global de carbono através do aumento da emissão de gases estufas, para os ciclos da água através das mudanças na vegetação e evapotranspiração, e para as temperaturas através das mudanças de albedo.
Nesse sentido, evidências globalmente disseminadas de uso de terra por caçadores-coletores analisadas pelo novo estudo indicaram que as condições ecológicas ao longo da maior parte da biosfera terrestre foram influenciadas extensivamente pelas atividades humanas antes mesmo da domesticação de plantas e de animais. Ainda segundo o estudo, os dados adquiridos potencialmente suportam uma trajetória unilinear no sentido de um crescente uso intensivo de terra e a substituição de coleta com pastoralismo e agricultura, um processo que parece amplamente reversível a longo prazo. Tais tendências também marcaram mais complexos caminhos, assim como reversões em escala local em numerosas regiões. Em algumas partes do mundo, a agricultura não simplesmente substituiu a prática de coleta, mas se fundiu com ela e correu em paralelo por algum tempo como trabalho parcial de diferentes pessoas ou turnos sazonais. À medida que as regiões transformadas passaram a ficar mais densamente populadas, os sistemas mais complexos de produção foram sendo cada vez mais bem estabelecidos e homogenizados.
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Até o momento, o Antropoceno, um período marcado por mudanças antropogênicas a nível global e de larga escala - a era da dominância humana dos sistemas ecológicos e climáticos da Terra -, era considerado um fenômeno recente, de poucos séculos atrás. O novo estudo é um forte argumento para estender esse período em mais alguns milênios, quando a civilização Maia na Mesoamérica e a Dinastia Zhou na China estavam em ascensão.
O próximo passo dos pesquisadores é analisar comparativamente a disseminação dos diferentes tipos, e intensidades, do uso de terra com a genética e a linguística humanas, e integrar esses achados em um quadro mais completo da história da humanidade.
(1) Publicação do estudo: Science
Humanos dominaram a Terra antes do que o pensado
Reviewed by Saber Atualizado
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setembro 09, 2019
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