Cientistas transformam leveduras da cerveja em usinas de maconha
Em um estudo publicado ontem na Nature, pesquisadores reportaram a criação de leveduras (no caso a espécie Saccharomyces cerevisiae) geneticamente modificadas capazes de sintetizarem os canabinoides e outros compostos associados com a planta da maconha (gênero Cannabis) a partir do carboidrato galactose. Com esse feito, é possível agora a produção em massa dessa classe de moléculas, incluindo THC e CBD, algo antes dificultado pela alta complexidade da via sintética não-biológica de produção e limitações da extração natural.
A Cannabis sativa L. tem sido cultivada e usada ao redor do mundo pelas suas propriedades medicinais e como droga recreativa há milhares de anos. Em especial, alguns dos seus canabinoides, nas últimas décadas, vêm sendo extensivamente investigados pelo grande potencial de aplicações médicas. Inclusive, ano passado o FDA aprovou um medicamento a base de canabidiol (CBD) - um dos componentes de maior interesse na planta da maconha - para o tratamento de quadros epiléticos em crianças. O uso de extratos de maconha vem também mostrando relativo sucesso no tratamento sintomático de crianças e adolescentes com autismo (1). No entanto, o estudo e o uso medicinal de canabinoides têm sido dificultado pela questão legal envolvendo o plantio do Cannabis, a baixa concentração dessas substância na planta, e a complexidade estrutural dessas substâncias, esse último fato limitando bastante a produção sintética em escala de importância comercial.
(1) Leitura recomendada: Maconha é eficaz no tratamento do autismo?
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Nesse sentido, pesquisadores da Universidade da Califórnia, liderados pelo cientista Xiaozhou Luo, conseguiram alcançar a biossíntese completa e controlada dos principais canabinoides de interesse medicinal ácido delta-9-tetrahidrocanabinólico - percursor do THC -, ácido canabidiólico - percursor do canabidiol (CBD), ácido delta-9-tetrahidrocanabivarínico e ácido canabidivarínico a partir do carboidrato simples galactose. Para isso, os pesquisadores geneticamente engenharam o levedo S. cerevisiae - fungo utilizado na produção de cerveja e de outros produtos fermentados - de forma a modificar caminhos metabólicos dessa espécie e permitir a síntese de canabinoides. Além disso, os pesquisadores introduziram genes da Cannabis que codificam as enzimas envolvidas na biossíntese do ácido olivetólico, assim como um gene de uma enzima antes não descrita com atividade GOT (geranilapirofosfato:olivetolato geranilatransferase) - derivada da espécie Humulus lupulus (parente evolutivo próximo do gênero Cannabis) - e os genes para as sínteses correspondentes de canabinoides. A nova enzima GOT substituiu a enzima correspondente no Cannabis, a qual não estava funcionando no maquinário genético engenhado da S.cerevisiae.
Somando-se a isso, os pesquisadores também conseguiram obter diferentes moléculas análogas aos canabinoides nativos da Cannabis ao alimentar diferentes ácidos graxos às cepas dos fungos S. cerevisiae engenhados. As diferenças estruturais nesses análogos afetam a afinidade aos receptores endocanabinoides no corpo e a potência farmacológica dos compostos. Nesse sentido, outra característica do sistema biológico engenhado é a possibilidade de expansão do espaço químico acessível.
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Essencialmente, o novo sistema biossintético oferece uma plataforma para a produção eficiente de canabinoides naturais e não-naturais que irão permitir estudos mais rigorosos desses compostos e o desenvolvimento de novos tratamentos para uma variedade de problemas de saúde. Sem a necessidade de plantar o Cannabis, isso também reduz os impactos ambientais do cultivo em larga escala, especialmente ao envolver o uso de agrotóxico e o desmatamento.
Publicação do estudo: Nature
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Reviewed by Saber Atualizado
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março 01, 2019
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