Alta inteligência parece ter evoluído de forma convergente entre humanos e papagaios

Os papagaios (ordem Psittaciformes) são uma das mais extraordinárias e intrigantes aves, as quais possuem cérebros altamente expandidos, alto desenvolvimento cognitivo e incríveis habilidades de comunicação vocal, além de uma longevidade extremamente longa comparado com outras aves de similar tamanho - algumas espécies de papagaio chegam a viver mais de 60 anos em cativeiro. Isso torna essas aves excelentes modelos para o entendimento da evolução de características complexas nos seres vivos.

Como os humanos, os papagaios possuem uma grande cérebro em relação ao tamanho do corpo, uma alta densidade de neurônios na parte frontal do cérebro, e habilidades cognitivas avançadas, incluindo permanência de objetos e uso de ferramentas, complexa organização social, vocalizações aprendidas através de transmissão cultural usando circuitos cerebrais especializados, resolução cooperativa de problemas, e estendido período de desenvolvimento e de educação. Além disso, mesmo com um rápido metabolismo e pequeno tamanho, essas aves possuem uma longevidade muito grande.

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Porém, apesar de todas essas notáveis características, nenhum estudo genético até o momento tinha sido realizado para identificar os traços genômicos únicos dessas aves, apesar do sequenciamento do genoma de algumas espécies já existir, como o do papagaio-de-Puerto-Rico.

Agora, em um estudo publicado recentemente na Current Biology, pesquisadores finalmente sequenciaram o genoma completo de uma espécie de papagaio - o emblemático papagaio-de-fronte-azul (Amazona aestiva) - junto com uma extensiva análise comparativa envolvendo outras 30 espécies de aves, incluindo 4 papagaios adicionais.

O resultado das análises revelaram características genômicas únicas dos papagaios, incluindo novos genes, modificações específicas de codificação, e sequências regulatórias de genes existentes. Foi identificado também características genômicas sob forte seleção nos papagaios e outras aves de grande longevidade, incluindo genes previamente associados com determinação de expectativa de vida assim como centenas de novos genes candidatos. Esses genes suportam um espectro de funções celulares, incluindo atividade da telomerase - enzima responsável por adicionar sequências específicas e repetitivas de DNA à extremidade 3' dos cromossomos, onde se encontra o telômero (1) -; reparação de danos no DNA; controle de proliferação celular, câncer e imunidade; e mecanismos anti-oxidativos. Todas essas atividades celulares estão ligadas diretamente aos processos de proteção contra o envelhecimento.

(1) Leitura recomendada: Por que envelhecemos e o quê estamos fazendo para frear esse processo? 

Associado aos telômeros, foi identificado, por exemplo, pressões seletivas para o gene TERT (telomerase reversa transcriptase), um componente chave do complexo da telomerase que confere proteção contra o envelhecimento celular. Já para os mecanismos de reparação de danos no DNA, foi identificado o gene POLK, o qual permite o maquinário de replicação do DNA ignorar locais lesionados, e o gene ERCC3, uma enzima helicase que repara excisões nucleotídicas. Para o controle de proliferação celular - incluindo via influência do gene TERT -, vários genes foram identificados nas aves de longa longevidade em geral, como o BUB1B, BUB3, KIF4A, KIF1BP, e o CCNE1. Isso sugere uma co-evolução das atividades da telomerase e de mecanismos regulatórios do ciclo celular, prevenindo um aumento na taxa de cânceres e uma maior longevidade.

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Os pesquisadores também identificaram genes parálogos (genes homólogos originados por um evento de duplicação genômica) (2) de expressão cerebral específicos dos papagaios com conhecidas funções no desenvolvimento neural ou em circuitos cerebrais de aprendizado vocal. Mas o mais interessante é que os pesquisadores encontraram que mudanças genômicas específicas dos papagaio em sequências regulatórias conservadas são extremamente associadas com genes que estão crucialmente ligados a habilidades cognitivas e de desenvolvimento cerebral que foram submetidos a uma seleção natural similar na linhagem humana, sugerindo uma evolução convergente.

(2) Leitura recomendada: Como novas informações genéticas são criadas durante o processo evolutivo?

Entre os genes duplicados associados ao desenvolvimento neuronal, fisiológico e comportamental, o mais proeminente identificado foi o PLXNC1, um regulador do crescimento axonal, compartilhado entre humanos e aves e responsável por áreas de aprendizado vocal e motoras-corticais. Entre outros genes parálogos críticos para aspectos de estrutura e de integridade celular neural, temos o CEP83, SLC9A5, RSPH3, e o LRRC37A. O LRRC37A, em particular, é um membro de uma grande família de genes com envolvimento no sistema imune e no desenvolvimento do sistema nervoso, e o qual é amplamente expandido em primatas. Nos humanos, o LRRC37A é amplamente expresso, com enriquecimento no cerebelo e no timo. Isso aponta para uma expansão convergente desta família de genes tanto em primatas quanto em papagaios, sugerindo uma possível ligação entre aumento das capacidades cognitivas desses dois táxons não-relacionados.

Indícios de evolução convergente entre humanos e papagaios foram vistos associados um conjunto de genes UCNEs (elementos não-codificantes ultra-conservados nos vertebrados). Entre 11 genes associados com a divergência evolutiva dos papagaios, 9 desses genes suportam atividade cerebral e 7 desses mostram similar seleção evolucionária na linhagem humana.

Em outras palavras, a grande inteligência dos papagaios parece ter surgido de processos evolutivos similares aos humanos desde o último ancestral comum entre os vertebrados. Isso fornece uma importante referência de estudo para a evolução do nosso nosso complexo e poderoso cérebro.


Publicação do estudo: Current Biology

Referência adicional: IUCN