Estudo encontra associação entre transtornos de ansiedade e baixos níveis de colina no cérebro
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| Figura 1. Estrutura molecular da colina. |
Transtornos de ansiedade são altamente prevalentes na população e frequentemente as opções terapêuticas são limitadas. Em um estudo de revisão sistemática e meta-análise publicado no periódico Molecular Psychiatry (Ref.1), analisando dados de 25 estudos clínicos, pesquisadores encontraram que o nível de colina - um nutriente essencial na dieta humana - era cerca de 8% menor em humanos adultos com transtornos de ansiedade. A evidência para baixo nível de colina foi especialmente consistente no córtex pré-frontal, a parte do cérebro que ajuda a controlar pensamentos, emoções e comportamento. O estudo não comprova relação causal, mas abre potencialmente um novo caminho de exploração terapêutica.
"Essa é a primeira meta-análise que mostra um padrão químico no cérebro ligado a transtornos de ansiedade," disse em entrevista o Dr. Jason Smucny, coautor do novo estudo e professor assistente no Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da Universidade da Califórnia, EUA (Ref.2). "O achado sugere que intervenções nutricionais podem ajudar a restaurar o equilíbrio químico do cérebro e melhorar o quadro de pacientes."
A ansiedade é um processo fisiológico, porém quando ocorre com frequência em situações não ameaçadoras, interferindo no funcionamento normal do indivíduo, ela se torna deletéria. Em casos extremos, a ansiedade pode levar a crises e quando isso ocorre, ela deixa de ser fisiológica e passa a ser patológica.
A ansiedade é definida por um sentimento de preocupação, desconforto, ou sintomas somáticos de tensão. É responsável e encarregada por alertas ao corpo e uma resposta rápida às situações desafiadoras. Ela passa a ser patológica quando se manifesta, de forma excessiva e persistente, em vários momentos prejudicando diferentes áreas da vida, tornando-se então sem função e sim maléfica ao organismo.
Existem diferentes tipos de transtornos de ansiedade, incluindo o transtorno de ansiedade generalizada (TAG), o transtorno do pânico (TP), o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), o transtorno de estresse pós-traumático (TEP), agorafobia, fobia social, fobias específicas.
Cada um desses transtornos tem características específicas, mas todos envolvem sintomas de ansiedade patológica que interferem na vida cotidiana da pessoa.
Por exemplo, o transtorno de ansiedade social - ou fobia social - caracteriza-se por um medo acentuado, persistente e deletério de situações sociais ou de desempenho nas quais o indivíduo teme se sentir envergonhado ou embaraçado. Os principais medos estão relacionados à exposição, como parecer ridículo, dizer tolices, ser observado pelas outras pessoas, interagir com estranhos ou pessoas do sexo oposto, ser o centro das atenções, comer, beber ou escrever em público, falar ao telefone e usar banheiros públicos. Os sintomas somáticos estão presentes antes, durante e depois das pessoas estarem em uma situação social, e são expressos por palpitação, rubor, tremor e sudorese.
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Importante esclarecer que medo e ansiedade são eventos distintos. O medo é uma resposta emocional diante de uma ameaça iminente real ou percebida, enquanto ansiedade é a antecipação de uma ameaça futura. Obviamente, esses dois estados se sobrepõem, mas também se diferenciam, com o medo sendo com mais frequência associado a períodos de excitabilidade autonômica adrenérgica aumentada, necessária para a luta ou para a fuga (pensamentos de perigo imediato e comportamentos de fuga) e a ansiedade sendo mais frequentemente associada a tensão muscular e ao estado de hipervigília em preparação para perigo futuro e comportamentos de cautela ou esquiva. Ref.5
Leitura recomendada: 'Luta ou Fuga' é disparada por um hormônio do osso e não pela adrenalina, conclui estudo
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Não existe um número específico de crises de ansiedade que determine se alguém tem um transtorno de ansiedade patológica. O diagnóstico é feito por um profissional de saúde mental com base em uma avaliação clínica completa, incluindo uma análise dos sintomas, histórico médico e psiquiátrico, e outros fatores relevantes.
Geralmente, o diagnóstico de um transtorno de ansiedade é feito quando os sintomas são intensos e persistentes, interferindo significativamente na vida diária da pessoa por um período prolongado. E o diagnóstico é sempre feito individualmente, considerando as características e necessidades específicas de cada paciente.
O tratamento de transtornos de ansiedade envolve desde alterações nos estilos de vida da população e terapias comportamentais até uso de medicamentos específicos e técnicas de estimulação elétrica do cérebro (Ref.6-8). Importante alertar que bloqueadores beta - medicamentos que diminuem a frequência cardíaca e a força do batimento do coração - estão sendo cada vez mais usados para tratamento de transtornos de ansiedade mas sem evidência suficiente de eficácia (Ref.9). De 35 a 60% dos pacientes tratados podem não alcançar remissão clínica (Ref.1).
O Brasil é um dos países com as maiores taxas de pessoas com transtornos de ansiedade no mundo, sendo estimado que afeta mais de 9% dos brasileiros (Ref.3). Na população adulta dos EUA, estima-se uma prevalência de 30% (Ref.1). O transtorno de ansiedade generalizada é o transtorno de ansiedade mais prevalente na população adulta, cuja característica principal é a preocupação excessiva, sendo desproporcional ao evento ou situação em que o indivíduo se encontra (Ref.5). Em crianças e adolescentes, a prevalência global estimada de transtornos de ansiedade é de 4,7% e de 8,3%, respectivamente (Ref.10). A prevalência feminina para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade é duas vezes maior do que a masculina.
O desenvolvimento dos transtornos de ansiedade estão relacionados a fatores genéticos e ambientais, mas sendo ainda incerta a extensão de contribuição de cada um desses fatores. Vários genes têm sido identificados nesse sentido (Ref.11). Fatores socioeconômicos, como pobreza, desemprego, fatores ambientais como o estilo de vida em grandes cidades, podem ser fatores desencadeantes de transtornos de ansiedade. O microbioma intestinal tem sido também implicado no desenvolvimento do transtorno de ansiedade social (Ref.12).
Os mecanismos neurobiológicos na patogênese dos transtornos de ansiedade não são totalmente compreendidos, e podem ser caracterizados por dois processos propostos (Ref.1):
- incapacidade relativa dos circuitos de controle executivo pré-frontal em governar as reações de ameaça e excitação no sistema límbico e no tronco encefálico. Nessa proposta, a vulnerabilidade poderia originar-se do comprometimento da função dos circuitos executivos e/ou da reatividade anormalmente elevada dos circuitos de ameaça e excitação.
- e/ou quando os processos executivos pré-frontais amplificam de forma mal adaptativa a reatividade dos circuitos de ameaça e excitação de nível inferior. Nessa proposta, tanto os circuitos executivos quanto os de ameaça/excitação funcionam normalmente em nível biológico, mas suas interações de retroalimentação produzem um ciclo vicioso de ansiedade e cognições distorcidas.
Os transtornos de ansiedade estão ligados à forma como diferentes partes do cérebro - como a amígdala, que influencia nossa sensação de segurança ou perigo, e o córtex pré-frontal, envolvido no planejamento e na tomada de decisões - respondem em excesso ao estresse ou a ameaças potenciais.
Nesse último ponto, transtornos de ansiedade também estão ligados a desequilíbrios nos neurotransmissores. Por exemplo, a noradrenalina - parte da resposta de "luta ou fuga" do corpo - costuma estar elevada em casos de transtornos de ansiedade.
Para melhor esclarecer a natureza neurobiológica dos transtornos de ansiedade, o novo estudo de revisão comparou os níveis de neurometabólitos - compostos produzidos durante o metabolismo cerebral - em 370 pessoas afetadas por esses transtornos com 342 pessoas sem ansiedade patológica (grupo de controle). Para isso, dados de espectroscopia de prótons por ressonância magnética (1H-MRS) de 25 estudos clínicos foram analisados. A 1h-MRS é uma técnica de imagem não invasiva que permite quantificar substâncias químicas (metabólitos) no cérebro e outras partes do corpo.
Metabólitos neurais analisados incluíram o n- acetil aspartato (NAA), creatina total, colina total (tCho), mio-inositol, glutamato, glutamato+glutamina, GABA e lactato. Pacientes incluídos eram afetados por três transtornos de ansiedade: transtorno de ansiedade generalizada, transtorno do pânico e transtorno de ansiedade social.
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Figura 2. Análise cerebral através da técnica de 1H-MRS, com detecção de vários compostos químicos em diferentes partes do cérebro. Colina é representada por "Cho" no gráfico acima. Ref.1 |
A colina desempenha diversas funções importantes no corpo humano:
1) é uma fonte dos grupos metil necessários para a síntese do principal doador de metil (S-adenosilmetionina) para a metilação [modificação epigenética] do DNA e de histonas;
2) faz parte do neurotransmissor acetilcolina;
e 3) é um componente dos principais fosfolipídios das membranas (fosfatidilcolina e esfingomielina), sendo também crítico na mielinização de nervos.
Nesse sentido, a colina é essencial para o funcionamento adequado do fígado, músculos e cérebro (Ref.13-14). A colina também é importante para o transporte hepático de lipídios, para o desenvolvimento fetal normal e como regulador de células imunes (Ref.15). A betaína, formada a partir da oxidação da colina, é um importante osmólito no glomérulo renal e auxilia na reabsorção de água nos túbulos renais.
Embora o fígado seja capaz de produzir colina, a maioria das pessoas precisa consumir colina através da dieta. Nesse último ponto, a quantidade diária recomendada de colina para adolescentes e adultos varia de 400 a 550 mg dependendo do sexo e status de gravidez ou lactação (Ref.16).
O cérebro possui uma demanda particularmente alta para colina, em especial devido ao seu papel em processos de neurotransmissão. A maior parte da colina entra no cérebro através do transportador proteico FLVCR2, expresso em células endoteliais na barreira sangue-cérebro (Ref.18).
Os achados do novo estudo sugerem que a excitação cronicamente elevada em indivíduos com transtornos de ansiedade pode aumentar a demanda neurometabólica por compostos de colina sem um aumento proporcional de entrada no cérebro desse nutriente, levando a níveis reduzidos de colina nas regiões corticais e possíveis distúrbios patológicos. Evidências prévias já haviam associado baixos níveis de colina no sangue com ansiedade e apontado baixos níveis de colina em pacientes com transtorno do pânico.
Notavelmente, em um estudo de 2024 publicado no periódico (Ref.19), camundongos usados como modelo de síndrome do intestino irritável melhoravam sintomas de ansiedade e os níveis de acetilcolina no córtex pré-frontal quando suplementados com colina. Os autores sugeriram que a colina ajudava a estabilizar o eixo cérebro-intestino nos roedores.
Porém, mais estudos são ainda necessários para entender a relação exata entre níveis de colina e transtornos de ansiedade. Correlação não significa necessariamente causalidade. E é ainda incerto se um maior consumo de colina através da dieta ou de suplementos pode ajudar no tratamento desses transtornos. Estudos clínicos em humanos precisam ser conduzidos para avaliar a eficácia desse tipo de intervenção.
Por outro lado, segundo os autores do estudo, é válido para os pacientes checarem se existe deficiência nutricional de colina na dieta, já que esse nutriente é essencial na prática. O alerta é realçado pelo fato da deficiência de colina ser comum. Por exemplo, a maioria das pessoas nos EUA, incluindo crianças, não ingerem a quantidade diária recomendada de colina.
REFERÊNCIAS
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- Burato et al. (2009). Transtorno de ansiedade social e comportamentos de evitação e de segurança: uma revisão sistemática. Estudos de Psicologia, 14(2). https://doi.org/10.1590/S1413-294X2009000200010
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Reviewed by Saber Atualizado
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novembro 20, 2025
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