Comprovado cientificamente que raias produzem sons no seu habitat de forma ativa
Pela primeira vez, um estudo publicado no periódico Ecology (1) trouxe uma compilação de vídeos registrando a produção voluntária de sons por três indivíduos pertencentes a duas espécies de arraias - Urogymnus granulatus e Pastinachus ater. É a primeira descrição científica provando que esses peixes cartilaginosos ativamente produzem som em ambiente selvagem, no caso, cliques gerados quando mergulhadores se aproximavam desses animais. Até o momento, existiam apenas reportes anedóticos de sonorização voluntária em raias.
Apesar de quase 990 espécies de peixes ósseos (Osteichtyes) produzirem ativamente sons, evidência para a produção ativa de som por peixes cartilaginosos (Chondrichthyes) - englobando tubarões, raias e quimeras - é escassa. Até o momento, a maior parte dos registros sonoros de peixes cartilaginosos analisados por estudos científicos mostraram ser, em sua quase totalidade, apenas sons associados com alimentação. O único caso confirmado de produção ativa de som ocorreu quando raias da espécie Rhinoptera bonasus, em cativeiro, produziram cliques curtos e agudos sob estresse. Em outras palavras, não existia exemplos confirmados de produção sonora por peixes cartilaginosos em habitat natural e condições normais - exceto reportes anedóticos sem valor científico.
Os peixes cartilaginosos, apesar de não estarem tradicionalmente associados com comunicação sonora, são sensitivos a sons diversos (audição), especialmente em baixas frequências entre 40 e 1500 Hz, com picos de sensibilidades entre 200 e 400 Hz - pelos menos em 10 espécies analisadas nesse sentido. Vários tubarões são atraídos por certos sons, como aqueles de presas se debatendo, e podem mudar o comportamento em resposta a esses estímulos sonoros. Vocalizações de orcas (Orcinus orca) são reportadas de repulsar tubarões epipelágicos, estes os quais são potenciais presas desses cetáceos; de forma similar, aumento súbito de intensidade de um som pode resultar em rápida fuga relativa à fonte sonora em algumas espécies de tubarões. A espécie de raia Hypanus americans altera seu comportamento de nado (ex.: menos descanso, aumento da atividade de nado e visitas mais frequentes à superfície) em resposta a certos sons.
No novo estudo, os pesquisadores reportaram e descreveram a produção de som por três raias pertencentes a duas espécies: Urogymnus granulatus (Fig.B) e Pastinachus ater (Fig.C). Na espécie U. granulatus os registros ocorreram em 2018, nas Ilhas de Gilli, Indonésia, e na Grande Barreira de Corais, na Austrália. Na espécie P. ater o registro ocorreu em 2017 também na Grande Barreira de Corais, Austrália. Todos os sons registrados foram caracterizados por uma série de cliques e estavam associados com movimentos dos espiráculos e da área craniana, como mostrado no vídeo abaixo. Em todas as observações registradas, as raias iniciaram a produção sonora em resposta a um observador (mergulhador) se aproximando. No caso do U. granulatus na Austrália, o indivíduo era juvenil e estava separado de um grupo maior quando os sons foram produzidos; imediatamente após a emissão sonora, o resto do grupo de raias se aproximou desse indivíduo.
Apesar do mecanismo exato de produção sonora nessas espécies continuar ainda pouco esclarecido, contrações dos espiráculos e associadas aberturas das guelras - visíveis simultaneamente com os sons de cliques - indicam que os sons podem ser produzidos através de rápidas contrações das áreas cranianas e das guelras.
Segundo os autores do estudo, a produção de som observada em ambas as espécies parece servir a um propósito agonístico, representando provavelmente um alerta ou servindo para afugentar predadores, como tubarões (os quais exibem um comportamento de rápida fuga como resposta a barulhos súbitos inesperados). Além disso, ambas as espécies possuem características sociais e são frequentemente observadas se alimentando e descansando em grupos, provavelmente como uma estratégia contra predadores. Nesse sentido, a observação de raias se aglomerando em torno de um indivíduo produzindo cliques em um dos registros na Austrália sugere que a produção sonora serve também para sinalizar a necessidade de agregação do grupo - implicando uma função de comunicação intraespecífica.
Aliás, a faixa de frequência registrada para os cliques das raias (com picos em ~1400-1500 Hz) está incluída na faixa de audição dos peixes cartilaginosos (40-1500 Hz), suportando de forma plausível tanto função contra predadores naturais (ex.: tubarões das espécies Carcharhinus melanopterus e Negaprion acutidens) quanto função comunicativa entre membros da mesma espécie. Mais estudos são necessários para esclarecer a questão.
REFERÊNCIA
- (1) Fetterplace et al. (2022). Evidence of sound production in wild stingrays. Ecology, e3812. https://doi.org/10.6084/m9.figshare.16929838.v1