Recomendação diária da OMS para o consumo de vitamina C precisa ser atualizado
A vitamina C (ácido ascórbico) é essencial para várias funções no organismo e para a prevenção várias de doenças, incluindo notavelmente patologias colágeno-relacionadas (!). Manutenção da reserva corporal de vitamina C é dependente do consumo via dieta, eficiência de absorção, reciclagem e reabsorção renal desse nutriente. Desde um robusto estudo duplo-cego controlado conduzido em 1944, criou-se a narrativa comum que o consumo de 10 mg/dia de vitamina C é adequado para prevenir e tratar reduzida capacidade de cicatrização de feridas e, por inferência, outras doenças colágeno-relacionados como problemas cardíacos ou derrame. E com base nessa narrativa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um consumo adequado diário de vitamina C de pelo menos 45 mg/dia. Porém, segundo um estudo de revisão publicado no periódico The American Journal of Clinical Nutrition (Ref.1), essa recomendação mínima está muito abaixo do ideal e que os resultados do estudo de 1944 foram suportados por análise estatística deficiente .
(!) Para mais informações: Sangramento na gengiva pode ser um sinal de baixos níveis de vitamina C no corpo
A década de 1940 foi marcada pela Segunda Guerra Mundial, época de conflitos armados de escala global e onde a comida era escassa entre os países em combate direto. Líderes dos esforços de guerra na Inglaterra, nesse cenário, precisavam saber: as porções de comida armazenadas em barcos salva-vidas eram adequadas para a sobrevivência no mar? Entre os vários experimentos planejados para responder essa questão, alguns objetivaram estabelecer algo crucial: a quantidade diária de vitamina C que uma pessoa precisava para evitar a letal doença escorbuto (síndrome clínica resultante da deficiência dessa vitamina que pode incluir sintomas como hemorragia perifolicular e sangramento-inchaço gengival).
Em um experimento no Instituto de Pesquisa Sorby, em Sheffield, chamado de "experimento do naufrágio", voluntários foram alimentados apenas com o que a Marinha Inglesa colocava nos barcos salva-vidas. O torturante experimento resultou em mais água e menos comida sendo carregada nos barcos salva-vidas.
Nessa linha, outro robusto experimento subsequente envolvendo participantes humanos, e o qual teve consequências de longo prazo para a saúde pública, foi um estudo de depleção de vitamina C iniciado em 1944, também em Sorby. Esse notável experimento médico envolveu 20 participantes, e nunca seria autorizado hoje: todos os participantes tiveram seus níveis de vitamina C no corpo zerados, criando condições de alto risco de vida. Apesar de dois participantes terem desenvolvido graves problemas cardíacos, nenhum deles ficou com danos permanentes.
O objetivo desse último experimento era determinar o consumo mínimo requerido de vitamina C para prevenir sinais de escorbuto. A vitamina C é essencial para a habilidade do corpo de cicatrizar feridas porque a criação de tecido de cicatrização depende da proteína colágeno, e a produção de colágeno depende da vitamina C. Além disso, o colágeno também mantém a integridade das paredes dos vasos sanguíneos, portanto protegendo contra derrames e doença cardíaca.
No experimento, pesquisadores dividiram os participantes em três grupos, cada um deles recebendo uma distinta quantidade diária de vitamina C (0, 10 ou 70 mg) por uma média de 9 meses. Os participantes foram depletados então repletados e saturados com vitamina C. Feridas controladas foram feitas na pele dos participantes durante a depleção e a repleção. Os pesquisadores responsáveis pelo experimento usaram a capacidade de cicatrização nas feridas experimentais como uma medida dos níveis adequados de vitamina C no corpo.
Com base nos resultados do experimento, os pesquisadores concluíram que 10 mg/dia de vitamina C eram suficientes para prevenir sinais de escorbuto. Parcialmente baseada nesse achado, a OMS passou a recomendar 45 mg/dia como dose mínima recomendada para suprir adequadamente as necessidades do corpo de vitamina C.
Porém, segundo o novo estudo de revisão (Ref.1), conduzido por pesquisadores da Universidade de Washington, EUA, essa recomendação da OMS é muito baixa, e não previne uma mais fraca capacidade de cicatrização de feridas e outras patologias colágeno-associadas. Para essa conclusão, os pesquisadores revisitaram o experimento de Sorby, e usaram análises estatísticas modernas para avaliá-lo mais adequadamente.
Segundo a reanálise, um consumo mínimo de 95 mg/dia de vitamina C é requerido para prevenir uma mais fraca capacidade de cicatrização para 97,5% da população, ou seja, mais do que o dobro do nível mínimo estabelecido pela OMS e tabelas nutricionais em geral. Esse valor, de fato, é mais consistente com as recomendações de várias agências internacionais de saúde e de especialistas nos últimos anos. A Academia Nacional de Medicina dos EUA e a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar recomendam um consumo de 75-110 mg/dia.
O consumo de 10 mg/dia por indivíduos totalmente depletados de vitamina C por 11,5 meses estava associado com uma capacidade de cicatrização 42% menor comparado com um consumo de 80 mg/dia pelo mesmo período. Mesmo um consumo médio de 90 mg/dia, por seis meses, mostrou falhar em restaurar a força normal de cicatrização em indivíduos depletados.
O achado é um alerta muito importante para pessoas que consomem pouca quantidade de frutas e de vegetais, ou que substituem o consumo desses alimentos por suplementos alimentares. Muitos suplementos vitamínicos e minerais costumam trazer a quantidade mínima de 45 mg por dose diária de vitamina C, e pessoas dependentes dessa fonte podem estar com deficiência vitamínica e com a saúde prejudicada. O alerta maior vai para pessoas com esses fatores de risco que reduzem a quantidade de vitamina C no corpo (Ref.3):
- Alcoolismo
- Bebês alimentados apenas com leite de vaca
- Indivíduos com transtornos alimentares
- Diabetes Tipo I com altos requerimentos de vitamina C
- Indivíduos com excesso de ferro no corpo, o que leva a um desperdício de vitamina C pelos rins
- Fumantes
- Indivíduos com dietas restritivas e alergias alimentares
REFERÊNCIAS
- https://academic.oup.com/ajcn/advance-article-abstract/doi/10.1093/ajcn/nqab262/6352175
- https://www.washington.edu/news/2021/08/16/new-analysis-of-landmark-scurvy-study-leads-to-update-on-vitamin-c-needs/
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK493187/