Cientistas flagram uma tartaruga-gigante caçando e engolindo um filhote de pássaro
Em um estudo publicado hoje no periódico Current Biology (Ref.1), pesquisadores reportaram pela primeira vez evidência direta e documentada em vídeo de uma tartaruga-gigante da espécie Aldabrachelys gigantea caçando e comendo um filhote de pássaro. O surpreendente flagra ocorreu em uma ilha do arquipélago de Seychelles. "Eu não podia acreditar no que estava vendo", disse Justin Gerlach, o autor principal do estudo e Diretor de Estudos Biológicos da Faculdade de Peterhouse da Universidade de Cambridge, Reino Unido (Ref.2). "Foi terrível e fascinante ao mesmo tempo." O evento observado marca uma completa nova estratégia comportamental descrita para qualquer espécie conhecida de tartaruga terrestre (ou 'jabuti' aqui no Brasil).
Tartarugas terrestres são animais que podem ultrapassar os 400 kg de massa corporal, alcançar até 1,3 metro de comprimento, viver frequentemente por mais de 100 anos (!), e são tradicionalmente conhecidos de serem estritamente herbívoros. Espécies de tartarugas-gigantes, devido ao grande tamanho e abundância local, atuam de forma crucial no ecossistema associado, dispersando sementes, quebrando a vegetação e erodindo rochas. Nas ilhas de Galápagos e de Seychelles, lar desses répteis, as tartarugas-gigantes atuam como os maiores herbívoros desses ambientes, chegando a consumir até 11% da produção primária (matéria vegetal).
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Alimentação oportunista associada à dieta vegetariana tem sido observada entre as tartarugas terrestres, onde esses répteis consomem ossos e carapaças de lesmas como fontes de cálcio. No entanto, estudos prévios de espécimes selvagens em habitat natural nunca chegaram a registrar qualquer predação ativa por quaisquer espécies de tartarugas terrestres, aparentemente corroborando o lento aspecto de movimentação desses animais e natureza essencialmente herbívora. No geral, existem reportes anedóticos de tartarugas-gigantes em Galápagos esmagando aves sob a carapaça e, no atol de Aldabra, esmagando caranguejos; porém, além da natureza anedótica, esses relatos não deixam claro se os atos são intencionais ou apenas acidentais.
No novo estudo, pesquisadores documentaram o primeiro ato intencional de predação por uma tartaruga terrestre. A tartaruga caçadora (A. gigantea) foi observada na Ilha de Frégate, uma ilha privada no arquipélago de Seychelles voltada para o ecoturismo. Dados de 2021 indicam a existência de cerca de 3 mil indivíduos, convivendo com uma colônia de ~265 mil aves da espécie Anous tenuirostris (~10 mil ninhos), popularmente conhecida como andorinha-do-mar-preta-menor. Sob a colônia, o solo é cheio de peixes que caem do bico das aves adultas e de filhotes de A. tenuirostris que caem dos ninhos.
O flagra da tartaruga caçadora ocorreu no dia 30 de julho de 2020, em uma região densamente povoada por tartarugas-gigantes, quando uma fêmea adulta de aproximadamente 50 cm de comprimento (carapaça) foi observada se aproximando de um filhote de A. tenuirostris sobre um tronco de árvore caído. A tartaruga-gigante perseguiu o filhote com um passo normal de movimentação, tentando continuamente mordê-lo ao longo do caminho, até finalmente matá-lo com uma mordida na cabeça quando a presa ficou finalmente sob alcance da sua boca, como pode ser observado no vídeo abaixo.
O filhote, agora morto, foi jogado no chão pela tartaruga-gigante, e esta, após descer do tronco, recuperou a presa e a engoliu inteira. Desde a aproximação da presa até a perseguição e ataque fatal, a interação durou um total de 7 minutos; a perseguição no tronco e a mordida final durou 92 segundos.
Apesar do evento ser a única documentação em vídeo de um ato ativo de predação por uma tartaruga-gigante, esse não foi um evento isolado reportado. Outras tartarugas-gigantes em Frégate já foram observadas comendo aves (figura abaixo) e vários indivíduos têm sido vistos caçando como descrito acima (perseguindo aves das espécies A. tenuirostris e Gygis alba), mas esses eventos não foram registrados e o consumo da ave perseguida não foi observado.
Notavelmente, a tartaruga-gigante caçadora carregou o ataque com a mandíbula amplamente aberta e com a língua retraída, um comportamento tipicamente agressivo para essa espécie e bem distinto do observado para o hábito alimentar herbívoro. O comportamento de caça registrado também sugeriu que o espécime tinha muito experiência com a captura de filhotes de aves. Com base nesse fato e junto com os outros reportes anedóticos na Ilha de Frégate, os autores concluíram que esse comportamento de caça pode ser amplamente disseminado entre as tartarugas-gigantes na região.
REFERÊNCIAS
- https://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(21)00917-9
- https://www.eurekalert.org/news-releases/925589?
