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Povo Bajau evoluiu um baço bem maior associado com a prática de mergulho


- Atualizado no dia 2 de agosto de 2021 -

O povo Bajau, do Sudeste Asiático, conhecido como 'Nômades do Mar', engloba indivíduos e famílias que passam suas vidas inteiras interagindo com as águas marinhas, trabalhando cerca de oito horas diárias em tarefas de mergulho sem o uso de sofisticados equipamentos, apenas algumas ferramentas básicas, como um protetor ocular de madeira para permitir uma melhor visibilidade dentro do mar. A sobrevivência dos Bajau, há mais de mil anos, depende da caça por mergulho de peixes e moluscos marinhos. Aliás, são mais do que ótimos mergulhadores e são bem famosos por prenderem a respiração por bastante tempo.


Em um impactante e muito referenciado estudo publicado em 2018 no periódico Cell (Ref.1), pesquisadores da Universidade da Califórnia, San Diego, reportaram que a extraordinária habilidade de mergulho dos Bajau está fortemente associada ao anormal grande baço presente entre os indivíduos desse povo. E essa característica fisiológica adaptativa mostrou estar geneticamente ligada a um processo de seleção natural, ou seja, um processo evolutivo. O achado teve importantes implicações médicas associadas ao entendimento de como os humanos lidam fisiologicamente com uma hipóxia (baixa concentração de oxigênio molecular) aguda.

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Humanos vivem em um ambiente de ar pressurizado, com a pressão a nível do par padronizada em 760 mmHg ou 1 atm. Durante a atividade de mergulho, a pressão aumenta proporcionalmente com a profundidade, com efeitos hiperbáricos notados especialmente após os ~20 metros, onde a compressão do volume pulmonar se torna significativa e tolerabilidade humana ao mergulho encontra seu limite extremo em torno de 214-250 metros, mas geralmente não ultrapassando 100 metros (Ref.2). Para facilitar a redução no consumo de oxigênio, a resposta dos mamíferos ao mergulho inicia um aumento da atividade nervosa parassimpática - mediado pelo nervo vagal - que reduz a taxa cardíaca (bradicardia). As batidas do coração podem ficar tão baixas quanto 20-30 batimentos por minuto.

O tamanho do baço é um fator também importante nas respostas do corpo humano à atividade de mergulho, com o órgão respondendo de forma bem distinta quando nossos rostos estão submergidos em água fria e seguramos nossa respiração (fenômeno comum entre mamíferos aquáticos e conhecido como 'reflexo de mergulho'). À medida que a taxa de batimentos cardíacos diminui, e nossos vasos sanguíneos nas extremidades do corpo contraem para levar mais oxigênio aos órgãos sensíveis à hipóxia, o baço contrai e libera células vermelhas (hemácias) oxigenadas para aumentar a disponibilidade de oxigênio na corrente sanguínea.


Uma única contração do baço libera cerca de 160 ml de células vermelhas, com um aumento de hemoglobina na circulação sanguínea que corresponde a um aumento de 2,8%-9-6% no conteúdo de oxigênio circulante. Um baço maior significa que mais oxigênio é armazenado e que mais oxigênio pode ser liberado. Isso sugere que existe uma forte associação entre a capacidade de segurar a respiração em um mergulho e o tamanho do baço, com isso já tendo sido observado em espécies de focas.  

Nesse sentido, no estudo de 2018, os pesquisadores primeiro notaram que os Bajaus que mergulhavam possuíam um baço bem maior do que os indivíduos de comunidades vizinhas (estes os quais não deveriam ter significativas diferenças genéticas e no fenótipo) que não possuíam a cultura de mergulho, e que nem dependiam dessa atividade. Essa diferença de tamanho alcançava uma notável média de 50%.

Bem, poderia ser que os mergulhadores do povo Bajau estivessem desenvolvendo grandes baços devido a efeitos plásticos e epigenéticos de adaptação à atividade de mergulho, algo que não indicaria necessariamente um processo evolutivo. Porém, os pesquisadores mostraram que tanto os indivíduos que mergulhavam quanto aqueles que não mergulhavam dentro do povo Bajau possuíam anormais grandes baços! Em outras palavras, algo de diferente com o DNA dos Nômades do Mar foi apontado.


Nesse sentido, uma análise do DNA dos Bajaus foi realizada. O resultado foi a identificação de 25 locais genômicos que diferiam significativamente de duas populações comparativas próximas, os Saluanos e os Chineses Han. Desses locais, um em especial, associado com o gene PDE10A, estava fortemente associado com o grande baço dos Bajaus, mesmo após os pesquisadores descontarem cofatores como idade, sexo e altura. Em ratos, o PDE10A é conhecido por regular um hormônio da tireoide que controla o tamanho do baço, dando ainda mais suporte para a ideia de que os Bajaus podem ter evoluído essa parte anatômica como uma resposta adaptativa aos frequentes e longos mergulhos que marcam culturalmente várias gerações desse povo. Somando-se a isso, os pesquisadores também encontraram evidência para uma forte seleção natural do BDKRB2, um gene que afeta o reflexo humano de mergulho.

De fato, em um estudo mais recente, publicado em 2019 no periódico Frontiers in Physiology (Ref.6), pesquisadores inibiram farmalogicamente o gene PDE10A em ratos - imitando efeitos genéticos associados ao povo Bajau - e observaram que esses últimos desenvolviam um baço significativamente maior do que os animais de controle, e por mecanismos moleculares distintos daqueles observados durante adaptação à hipoxia crônica (!). Apesar do baço de humanos não representar um local de eritropoiese (produção e maturação de hemácias) como ocorre em ratos, os resultados dos experimentos in vivo corroboraram dois benefícios já esperados com variantes genéticas associadas ao PDE10A no povo Bajau: (i) aumento de hemácias sanguíneas aumentam a capacidade de oxigenação, permitindo mergulhos mais longos com uma única puxada de ar; e (ii) o aumento correspondente no tamanho do baço cria um maior reservatório no qual células sanguíneas oxigenadas podem ser armazenadas. 

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Além de trazer novos conhecimentos sobre os processos evolutivos nos humanos modernos (Homo sapiens), os dois estudos abriram novas fronteiras genéticas para se trabalhar problemas ligados à hipoxia (falta de oxigênio) aguda, como a apneia . Antes tal condição só tinha sido investigada em populações que vivendo em altas altitudes, onde o ar é mais rarefeito e, portanto, possuindo menor concentração de gás oxigênio (!).

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(!) Não apenas o povo Bajau, mas também habitantes de altas altitudes, expostos a ambientes hipóxicos e hipobáricos - os quais reduzem a saturação de oxigênio arterial - parecem desenvolver um maior baço comparado com populações em regiões próximas de baixa altitude (Ref.3). Existem cerca de 140 milhões de pessoas nativas vivendo em regiões de notável alta altitude (>2500 metros) do Planalto Tibetano, Leste da África, América do norte e Andes. De fato, evidência recente têm mostrado que em altas altitudes e ar cada vez mais rarefeito, o baço é contraído em humanos, independente se o indivíduo está em repouso ou realizando exercício (Ref.4). Além disso, treinamento estático de apneia (envolvendo exercícios subaquáticos onde a respiração é presa por longos períodos de tempo) é capaz de aumentar o volume do baço (Ref.5). Esses efeitos de hipertrofia estão associados com plasticidade fenotípica, um mecanismo distinto do processo evolutivo observado nos Bajaus. 

> No geral, em várias espécies e situações de hipoxia, apneia e durante exercícios físicos, existe o gatilho para a contração do baço e subsequente liberação de eritrócitos armazenados. O baço possui inervação simpática e a contração é provavelmente resultante tanto de sinalização neural quanto da liberação de catecolamina, e a contração é ativa.

Povo Bajau evoluiu um baço bem maior associado com a prática de mergulho Povo Bajau evoluiu um baço bem maior associado com a prática de mergulho Reviewed by Saber Atualizado on abril 19, 2018 Rating: 5

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